sexta-feira, março 23, 2007

Geração Rasca, Bué e Fixe: Juventude Rotulada (i)

A juventude (estudante) tem sido alvo preferencial dos “muralistas” (aqueles que encontram em cima do murro) que analisam com atenção malévola os seus comportamentos (modas, vivências e acções) para a poder catalogar com termos soberbos – que tomam a parte pelo todo, criam sensacionalismo e garantem audiência. “Geração Rasca”, “Geração Bué” e, ultimamente, “Geração Tipo”…coisas fixe, enchem os media e a cabeça do cidadão comum. Proponho, por isso, que naveguemos nesta onda “taxinómica”, se não para a compreender, ao menos para termos elementos para uma interrogação fundamentada das suas causas e possíveis reparos
A suspeita sobre a (in) competência dos jovens em atingir um patamar de sucesso desejável, nas suas obrigações escolares e formativas, motivou os mais incrédulos a apelidá-los de “geração rasca”. Ainda hoje, discute-se a justeza ou não dessa catalogação. Contudo, mais tarde, na sequência de um surto inexplicável do termo “bué”, apressadamente houve quem classificasse os seus usuários de “geração bué” da “fixe”. Esta gosta de ir à escola, sente-se bem no meio da “malta”, mas fica à porta da sala de aula. Prefere, pelo contrário, a adrenalina do ginásio para “estudar”, com os pés, o contorno esférico e apaixonante da trajectória (matemática) da bola à caminho do fundo da baliza, debaixo de aplausos calorosos e gritos ensurdecedores dos admiradores de bancada.
Recentemente, entrou um novo vocábulo para o guia de (des) conversação – “tipo”. [Algo tipo…tás a ver…tipo]. Uma forma da incerteza com intenções explicativas – que ao fim e ao cabo nada explica; que cria, apenas, ruído na comunicação. O seu uso (inadequado) pela camada mais nova (“geração tipo”) tira seriedade e dá leveza aos seus actos, ainda que praticados com boas intenções. Neste aspecto particular, o leitor ainda deve ter fresca na memória o cartaz ostentado por um jovem durante a manifestação dos alunos do secundário, no Porto, em Novembro de 2006, contra as “aulas de substituição”. “Queremos “Tipo” Coisas Fixe”, anunciava a referida papeleta. Foi um flagra. Do protesto (justo ou injusto), apenas ficou o conteúdo engraçado do cartaz.
Na ressaca da manifestação, o “pequeno caso” foi notícia, sobretudo, na televisão e, no dia seguinte, fotografia de capa de alguns jornais, como sendo o reflexo do estado crítico da sociedade actual, algo visível na manifesta pobreza vocabular dos (jovem); na imagem de uma geração de alunos que não sabe, concretamente, o que pretende; e que escreve, tal como fala.
Será legítimo e correcto baptizar, indiscriminadamente, amostras da juventude de Geração “Tipo”, “Rasca”, “Bué” e “Fixe” – pode perguntar o leitor? A resposta, quanto a mim, não deve ser simplista (fechada), ou seja, um sim ou um não, sem ser seguido de um mas. É preciso, em primeiro lugar, atender aos perigos da generalização abusiva…da confusão da árvore com a floresta.

Geração Rasca, Bué e Fixe:Juventude Rotulada (ii)

Ainda na sequência da pergunta anterior, importa referir que todas as gerações de jovens têm (ou tiveram), num momento ou outro do seu desenvolvimento, algo de “rasca”; “tipo”; “bué”, “iá” e de “fixe”, uma vez que crescer (sobretudo, na adolescência) implica mudanças e reestruturações. Contudo, a solução desta crise (efémera ou não) de nomes pomposos não se resume, simplesmente, à sua erradicação terminológica, mas sim da realidade que a fomenta e denuncia. Se não vejamos: a) os números confirmam que o insucesso e abandono escolar assumem valores preocupantes do básico ao universitário, passando, obrigatoriamente, pelo secundário, segundo o Ministério da Educação; b) os jovens tendem a ter, cada vez mais, uma perspectiva temporal de futuro bastante próxima do presente e, portanto, de materialismo puro; c) a incerteza em relação ao futuro é reinante, a vontade de a superar inexistente. Tudo isto, somado e multiplicado por uma mistura explosiva: uma percentagem significativa da sociedade, incluindo a juventude, quer “coisas tipo fixe”, provavelmente, aquelas que dão, por um lado, pouco ou nenhum trabalho e, por outro, garante prazer imediato. Por essa razão, perante a condenação dos eventuais culpados pela situação ora descrita, poucos cidadãos escapariam de visitá-los como testemunhas no tribunal da consciência e saírem dali com a ficha limpa: “sem que nada conste…”
Em casa, enquanto crianças, os jovens (rotulados) foram, provavelmente, vitimas da ausência de contacto pedagógico com os materiais escritos, da reduzida (ou nula) estimulação para a leitura na infância, do consumo e da centralidade excessiva da televisão como meio único de (in)formação. Estes factores, junto com outros, podem ter contribuído para que os modelos ou referências educativas dos jovens – de acordo com Bandura, psicólogo e teórico da educação – tenham emergido do seu meio cultural (pouco estimulante) ou então, de uma pobre programação televisiva – assente no entretenimento: novelas, filmes (violentos), futebol, etc. Caso esta análise esteja correcta, a continuidade do problema, só faz desabrochar novas gerações de rasca e desajeitados culturais, a julgar pela atenção, mal intencionada dos críticos. No entanto, uma postura pedagógica aconselha que se faça uma inversão de marcha, ou seja, a mudança das práticas de educação em casa e na escola. Devemos apostar seriamente na educação ao longo da vida (life long) na expectativa de que o tempo minore os erros do passado e ajude os jovens – que se sintam, actualmente, descriminados – a se comprometam avidamente com a sua auto-formação.
Para finalizar, gostaria de saber o que pensa o cidadão (e leitor) sobre o rumo a seguir por esta juventude (irreverente, mas para muitos irresponsável) numa sociedade que a observa do alto do pedestal com problemas de consciência. Já que está na arena, encare o problema de frente e compartilhe com o Edukamedia, o que poderá ser, para si, a pista para uma solução (do presente a pensar no futuro): simples, criativa e, porque não, fixe!

segunda-feira, março 05, 2007

Nas Margens do Sonho

A alegria de ver o Tejo a despertar atrevida e tranquila para entrar no atlântico, constitui o prazer maior de quem viaja, diariamente, de barco à procura do pão para os filhos ou, então, do sustento para os ter com segurança e alimentá-los com honestidade. Os catamarã de última geração conferem à viagem um carácter peculiar, azulado, apaixonado e aliviante só de ver o Barreiro, Seixal, Moita, Almada e Montijo a ficarem para trás enquanto ao longe vê-se Lisboa (“menina e moça”) a espreguiçar-se tranquila, enublada e meiga para receber os seus obreiros para mais um dia de dura faina…
À tarde, o barco faz a viagem ao contrário, ou seja, de regresso “rumo ao sul”. O cansaço, o sentimento de um dia ganho, a vontade de chegar a casa acompanham o quebrar calmo e esbranquiçado das ondas e o movimento rectilíneo, às vezes descendente e ascendente do barco, enquanto se trocam olhares cúmplices e dedos de conversa com os companheiros de todos os dias. O jantar, o sono e o acordar às quatro, cinco, e seis da manhã tem um sabor amargo no lado sul, mas a vida e a profissão assim o obrigam. A correria para apanhar o transporte (o autocarro e o barco) para ir a Lisboa responder o ponto, começa todos os dias, religiosamente, bem cedo. O stress de apanhar o autocarro e de perder o barco porque o horário da “bota não bate com o da perdigota”, misturado com a sensação de ter que pedir desculpa no trabalho pelo atraso, fazem dos habitantes da margem sul, um verdadeiro marciano. “Eles são da Margem Sul do Tejo!!!” – assim são referenciados; o que dá a ideia de pertencerem a um lugar recôndito, situado algures entre o Ribatejo e o Alentejo.
Consequentemente, viver no Norte é sempre melhor em tudo: é rico e sublime; o Sul, pelo contrário, é longínquo, pobre e dependente. Assim acontece com os dois Hemisférios do nosso planeta. Neste texto, o rio Tejo é a linha imaginária que separa os dois mundos: a Margem Norte e a Margem Sul. Quem vive no norte tem os transportes variados e à hora (certa), por isso, dorme até mais tarde; sonha mais; e, provavelmente vive melhor. Quem vive no sul, sobrevive num stress permanente e paranóico a pensar sempre nos horários que não se cumprem; na penúria que são os dias da greve, sem os serviços mínimos; e no jeitão que dava em morar ao pé do trabalho: à norte do Tejo. Ainda assim, sofre e acata as decisões injustas que o martiriza de braços cruzados, numa resignação plena e preocupante. Em privado é valente que nem o David a atacar o Golias, no que concerne à crítica sobre o que está mal, mas na hora H, desanda como o Bedford que perdeu o travão e, por isso, a força para seguir em frente. Todos reclamam do valor criminoso do selo, do horário (?!) dos autocarros e barcos, mas ninguém faz greve e manifestações públicas. Dizem que estas modernices só valem a pena de Espanha para lá…ou seja, em França. Para finalizar, importa, ainda, referir que “a nova ponte sobre o Tejo” – Barreiro-Chelas – que os alimentou a esperança durante uma década, morreu, silenciosamente, este ano. O mais certo é verem, unicamente, o TGV a passar (apressada) ao pé das suas casas rumo à Espanha.
Assim, ninguém consegue ser feliz: à margem do sonho; à espera que dias melhores virão para contrariar este triste fado. “O melhor mesmo é guardar a desgraça que se ganha diariamente (os euros) e fugirmos confortável e rapidamente no comboio da alta velocidade (TGV) rumo ao Norte dos nossos sonhos”, confessou-nos um grupo de jovens à saída do Barco, antes de "ligarem o turbo" para apanharem o autocarro; e o repórter Edukamedia não quis ficar atrás. … É assim a vida Nas Margens do Sonho.

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