Quando a Violência nos Bate à Porta
A
justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do
homem em estado selvagem (Epicuro).
Assisti uma notícia na Televisão Pública
(TCV, Jornal da Tarde, 11 de Junho) que
me prendeu ao pequeno ecrã: um morador de um bairro humilde da capital
cabo-verdiana reclamou, chorando desesperado e visivelmente emocionado do acto
de violência gratuita que lhe bateu à porta e à dos demais vizinhos da sua
redondeza sem que houvesse prontidão da polícia em evitar o pior - porque esta chegou,
uma vez mais, atrasada ao local do crime.
O fenómeno de delinquência (liderado por
jovens e menos jovens) que tem assolado a cidade da Praia, em particular, e o país,
de uma forma geral, atinge promoções humanamente desesperantes. Quando uma mãe
assiste de forma impotente à morte de um filho (mesmo que ele seja thug) é traumático; da
mesma forma o funeral de uma pessoa (mesmo que tenha sido thug) não constitui uma
vitória para a sociedade. Denota, sim, pelo contrário, que algo vai mal na
nossa sociedade e todos temos uma quota-parte da responsabilidade. A polícia
deve actuar antes da desgraça (com repressão se for o caso), o tribunal deve
condenar (com justiça) antes que o sangue seja derramado e as instituições
sociais devem agir, no terreno, complementando o trabalho da família, escola, justiça
e polícia na prevenção dos comportamentos de risco.
O fenómeno da delinquência gera stress
social e agudiza o conformismo com a pobreza, sobretudo no meio rural. Pois,
cada galinha roubada, cada cabeça de gado perdida, cada peça de ouro desaparecida
constitui um incentivo a não produção uma vez que ninguém, no seu perfeito
juízo, gosta de trabalhar para alimentar a casa do ladrão.
Neste sentido, os formuladores das
políticas públicas devem entender que a segurança gera conforto psicológico e
permite que cada um se esforce para conseguir o seu ganha-pão de forma honesta.
Havendo um ambiente de segurança menos meliantes operam no país porque, na
certa, serão apanhados (a tempo) e enquadrados (com rigor) nas leis que regem a
nossa república e os bons costumes. Todavia, a incapacidade e a permissividade
a que temos estado a assistir inspira uma reflexão profunda na medida em que,
na maioria dos casos, é o cidadão humilde e indefeso que vive a contar com os
ditos delinquentes e criminosos.
Cabo Verde tem verificado na última
década uma corrida desenfreada às grades de ferro nas habitações o que à vista
desarmada mostra que vivemos presos dentro das nossas casas (mesmo que estas
fiquem em andares superiores) o que nos leva a duas conclusões simples e, por
isso, evidentes: a) em caso de incêndio no interior da casa os ocupantes, na impossibilidade
de usarem a porta principal, serão reduzidos a pó ou, então, mortos por
inalação de fumo; b) em caso de ataque bárbaro e traiçoeiro por delinquentes, as
consequências serão trágicas e irreversíveis porque nem pela janela as vítimas
conseguem fugir (atirar-se) porque o ferro não permite…
O
morador do bairro que me inspirou a esta reflexão terminou o seu depoimento a
instigar a justiça por conta própria; um acto de desânimo desesperadamente
compreensível e reprovada, em toda linha, pelo nosso Estado de direito democrático. Os sábios que
decerto passaram pelo mesmo aperto nos dizem que a justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a
justiça do homem em estado selvagem (Epicuro).
No caso em apreço uma questão pungente que
fica sem resposta tem sido a ausência da justiça e do sentido da mesma na nossa
sociedade. Um provérbio antigo deixa-nos ainda preocupados com
este silêncio: infeliz da geração cujos
juízes merecem ser julgados…
A esperança na melhoria
da situação actual deve persistir porque as soluções para o combate à
criminalidade já estão inventadas e inventariadas; o que precisamos - sem querer
chover no molhado - é de encontrar a dose certa: entre a coragem das autoridades
para resgatarem o poder do Estado e a visão integrada do problema pelas ditas
instituições que estão a “cuidar do caso”… enquanto a violência, em surdina,
nos bate à porta forte e feio…
Albino
Luciano Silva
Publicado no Bissemanário Asemana, Sexta-feira, 15 de Junho de 2012, Ano XXII, nº 1048, pág. 21.
Publicado no Bissemanário Asemana, Sexta-feira, 15 de Junho de 2012, Ano XXII, nº 1048, pág. 21.
Etiquetas: Opinião nos Media
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