sexta-feira, julho 11, 2014

ÂNCORAS (IN) SEGURAS


O país foi convidado recentemente a assistir, na Assembleia Nacional, o discurso de Carlos Lopes sobre “Mudança das Mentalidades: desafios para um país insular em face das tendências globais”, no quadro do II Fórum Nacional de Transformação Cabo Verde 2030, que ocorreu de 14 a 16 de Maio, na cidade da Praia. Longe de querer chover no molhado, propomos, com o presente contributo, refletir sobre três dimensões, para nós, urgente de rotura na sociedade cabo-verdiana. 

Como cidadão, movido pela curiosidade intelectual, estive no meio de uma plateia atenta e interessada que, no final, aplaudiu de pé o orador. As palavras utilizadas foram claras, sem arrogância e profundas ao pedir para mudarmos, a diversos níveis, e refundar âncoras a fim de preservar os inúmeros ganhos alcançados pelo país. Do conteúdo da exposição à forma de abordagem ficou nítido que estivemos perante uma individualidade de inteligência ímpar, modesta e de fino trato. O que transmitiu foi forte, inesperado e eficaz: agitou consciências e deixou em estado de ebulição a cabeça do nosso governante, segundo declarações prestada à TCV.

Diagnóstico de Agente Autorizado 

O diagnóstico de mecânico feito ao nosso “modus vivendi” releva sinais de preocupação, tais como: custos elevados da democracia representativa; ancoragem excessiva ao velho continente; índices elevados da dívida pública; lentidão na tomada de decisão; e, também, quanto a nós, prioridade e qualidade discutíveis de certos investimentos públicos.
Com efeito, a “pedrada no charco” dado por Carlos Lopes, Secretario Executivo da Comissão das Nações Unidas para África, ao enumerar os fatores fraturantes e caminhos possíveis para Cabo-Verde não é senão a verbalização, por uma distinta figura, de inquietações proferidas em círculos restritos e cantinho dos “Mídia” por certos cidadãos cuja voz tende a ser distraída por fogos-de-artifício.
As exortações de Carlos Lopes podem conter julgamentos pessoais, mas estão providas de conselhos generosos para um país candidato assumido a ser rico, segundo “alguns idealistas”, já em 2030. Neste sentido, se a nossa riqueza está no capital humano, importa, então, que não se procure desconstruir o discurso do convidado com o fito único de o apanhar em contradição, mas, pelo contrário, aprofundar o essencial sem amaras, com humilde e ecletismo. Para este efeito, precisamos modificar a nossa forma de pensar, agir e de estar com os outros:
Pensar Glocalmente

Se pensamos mudar o nosso país, o caminho mais penoso e sustentável começa por nós próprios e, depois, pelo nosso bairro. O pensamento gera atitude que, por sua vez, explica o comportamento. Deste modo, para alterar atitudes e comportamentos deve-se, em primeiro lugar, pensar de forma diferente.
Dentro e fora de portas cogitamos – por bazófia ou perceção distorcida - ser melhor (sucedidos) entre os Países Africanos de Língua Portuguesa, mais Timor e destacado, por vezes, à frente de certos gigantes em termos do Índice do Desenvolvimento Humano em África. Estas verdades (por vezes estatísticas) ou vitórias (de conforto moral) possuem, na prática, um sabor agridoce: poucos sabem da nossa existência e, ao tomarem conhecimento das nossas coordenadas, apressadamente relativizam os dados - e de bestiais, passamos a ser, simplesmente, um caso à parte. 

A mudança de mentalidade torna-se, por esta razão, premente uma vez que, pela nossa pequenez e natural isolamento, sem expurgar o que nos prejudica na ancoragem sucedida em África (defendida por Carlos Lopes como caminho a seguir) e noutras paragens (caso da Europa como tem sido a prática), qualquer sucesso, ainda que diminuto, acarreta elevados custos de transação. 

Pensar e Agir (rápido e com prudência) podem ser, neste vértice do triângulo, o nosso passo seguinte. Temos um sistema de educação e saúde bastante enraizados e com resultados internacionalmente elogiados, a par, também, de um nicho recente de excelência no sector da modernização do Estado por via das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) que, encarados de forma integrada, como vantagens comparativas, poder-nos-ão ser úteis na relação com certos países cujas estruturas, por motivos vários, estão em (re) construção face às dinâmicas dos novos tempos.

Trocar a Navegação à Vista por GPS 

Os nossos ciclos eleitorais sobrepõem-se a qualquer planificação o que torna, a grosso modo, as medidas de política e a democracia cabo-verdiana “competitivas” e nada cooperativas – sem consensos alargados. Esta realidade deixa a nu que a navegação faz-se à vista das urnas com âncoras atracadas nos portos de Apoio Orçamental Direto (AOD) e nas Agências de Empréstimos Concessionais (AEC).

Esta situação coloca o país na lista dos mais dependentes do AOD o que, por sua vez, dá razão tanto ao governo quanto à oposição sobre a necessidade de haver investimentos inteligentes capazes de gerar riqueza e/ou valor acrescentado ao país. Caso contrário, diminuindo as ajudas, como tem sido a tendência, e fechada a torneira dos empréstimos a baixo custo – fruto da nossa graduação a País de Rendimento Médio -, ressuscitar-nos-emos fantasmas ainda presentes na memória de muitos anciões: não ter o pão para a mesa.   

Perante este cenário inseguro, atracado aos encargos elevados do serviço da dívida, à suspensão (ou retirada) temporária (ou definitiva) de certos países doadores e discurso inquietante do Grupo de Apoio Orçamental (GAO), as nossas fraquezas devem ser, urgentemente, transformadas em força. Defendemos maior contenção orçamental que passa tanto pela coragem política de extinguir quanto fundir municípios insustentáveis, reduzir o número de sujeitos parlamentares, agrupar ministérios, repensar serviços, institutos e braços do Estado, rentabilizar embaixadas e serviços consulares; e adoção de estratégias de crescimento da economia com ancoragens múltiplas. Enfim, fechar, nem que seja por horas, o país para um balanço geral com todos: oposição, situação e cidadão comum.

Com efeito, Cabo Verde (insular) será, em parte, o que conseguir ser a sua diáspora que, munido de espírito de missão, pode desbravar caminhos, construindo pontes hoje considerados utópicos e, quem sabe, possíveis amanhã. Veja-se, por exemplo, o contributo recente dado aos “Tubarões Azuis” na projeção da nossa bandeira. Assim, pensamos que seja sensato incentivar a diáspora com políticas ativas para que possam, aos poucos, ter maior capacidade de influência política e económica nos países de acolhimento. Este caminho passa, indiscutivelmente, pelo incremento das suas espectativa em relação à educação e formação profissional nas áreas e sectores capazes de os tornar profissionais e empresários respeitados. 

Saber Estar com os Outros 

Por razões historicamente comprovadas, o povo cabo-verdiano tem na sua génese características que dificultam a sua comparação com países que, aquando dos descobrimentos, possuíam populações autóctones. O nosso “nível de instrução” e a posição geostratégica do país explicam, em grande parte, porque fomos utilizados na administração indireta das ex-colónias. Os males deste drama estão ainda por cicatrizar e, prova disso, tende a ser a forma como olhamos para os nossos vizinhos, não raras vezes, de cima para baixo e eles, a nós, com certa apreensão e desconfiança.

O ciclo de crescimento dos países tende a ser coerente. Durante décadas fomos praticamente um país de emigrantes (quer para Norte quer para Sul), fugindo do espectro da fome, e hoje, graças às circunstâncias favoráveis, somos recetores de sonhadores com a paz, estabilidade e traficância.

Importa sublinhar que recebemos, sobretudo da nossa sub-região, imigrantes desqualificados para operar nos setores descobertos pela nossa emigração que, de resto, preferiu ir ganhar, fora do país, mais dinheiro por igual tipo de trabalho. São os casos de pedreiros, serventes, empregadas domésticas, etc. Por isso, devemos estar conscientes desta nova e inevitável realidade, garantindo condições de integração aos que nos procuram e que, dentro do respeito escrupuloso das nossas leis e costumes, ajudam o país a criar riqueza. 
Reajustar as Âncoras para o Futuro

A mudança é uma constante da vida e implica sempre oportunidades e riscos, mas valerá mais a pena quando o foco centra-se na melhoria. A luta por um país mais próspero e com oportunidades para todos deve ser a ambição legítima de todos os cabo-verdianos com sentido de Estado. Para transformar a intenção em ação, o convite passa por desembaraçarmo-nos das fracturâncias enquanto condição primária para termos uma agenda que nos permita criar riqueza e negociar, de forma transparente, com instituições e países na base de benefícios mútuos. Acontecimentos como o 11 de Setembro de 2001, a crise recente das dívidas soberanas e o escrutínio atento e exigente dos contribuintes abrigam-nos a ter os pés em terra firme com a noção clara dos riscos. A imprevisibilidade económica, nos tempos que correm, exige que as âncoras estejam seguras no bom senso e nos interesses estratégicos.

Albino Luciano Silva

Publicado no Semanário Asemana, versão papel e online

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quinta-feira, dezembro 19, 2013

A Criança no Espírito do Tempo

Estava entretido com a “colecção vidas célebres” quando “Conversa em Dia – questões da infância” entrou em casa no registo habitual e com o tempo ganhou descontracção graças ao estilo peculiar das jornalistas convidadas que mesmo sem serem especialistas debatem, de forma genérica, qualquer tema social com brilho e estilo. A conversa centralizou nas crianças e ganhou ramificações e, aos poucos, o tronco foi-se perdendo junto com o meu interesse. Faça um clic no título para continuar a ler o artigo na íntegra. Por: Albino Luciano Silva

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quarta-feira, outubro 03, 2012

Novo Ano Lectivo e Velhos Desafios


Ninguém fica indiferente ao arranque do novo ano lectivo, dado que constitui um processo ritualizado, cujo preparo demora meses, para ser agora avaliado por todos, consoante o grau de conhecimento e responsabilidade de cada um mormente quanto às novidades introduzidas e às promessas feitas, sem esquecer as omissões. 

Neste olhar sobre o lectivo 2012/2013, propomos reflectir, de forma breve, sobre as angústias e novidades e de forma mais incisiva nas sugestões para atenuar os efeitos, quanto a nós, negativos dos anos lectivos precedentes no que tange à administração e gestão do sistema e, por fim, elencar algumas medidas omissas cujo atraso gera custos elevados de transacção ao subsistema do ensino básico e secundário.

O arranque do novo ano lectivo revela um misto de angústia e de novidade para os alunos, pais e professores. Pois, as escolas, particularmente as salas de aulas são, para muitos alunos e professores, um calvário que deve merecer dos investigadores e das autoridades uma averiguação profunda dado que a desmotivação é reinante, palpável e merecedora de um diagnóstico justo e de um tratamento adequado. Pois, os níveis de insucesso não deixam dúvidas. Ademais, a angústia perpassa também os pais no renovar dos investimentos nos materiais didácticos e transportes escolares sempre onerosos, na diminuição das expectativas de retorno da escola bem como no percurso dos alunos casa-escola, escola-casa que, nos tempos actuais, tem sido um factor a ter em conta devido à onda de insegurança que aflige a todos... do campo à cidade.

No que concerne às novidades, há sempre uma expectativa sobre os novos correctivos introduzidos no sistema como, por exemplo, os novos manuais, o alargamento da escolaridade obrigatória, entre outros. Contudo, as reformas anunciadas e programadas, na sua construção, nem sempre foram pilotadas de forma a evitar críticas fundamentadas e/ou para acolher todos os subsídios necessários à sua materialização com sucesso neste ano lectivo. Como efeito, a experiência internamente nos ensina que há sempre uma dose de arrogância que cega os processos de reforma e contamina os resultados finais devido à falha consciente ou inconsciente de comunicação e de poder de encaixe. Todavia, no decorrer do ano lectivo certamente irão ser feitas adaptações, por forma a suplantar algumas decisões, porventura, erradas dado que nem tudo o que é decretado em termos curriculares é cumprido, na íntegra: há uma distância entre o que é decretado pelo curriculista, cumprido pelo professor e aprendido pelo aluno.

Propostas para uma Liderança Efectiva e Afectiva na Gestão da Educação

Na qualidade de cidadão atento e com uma visão distanciada e comprometida, por defeito de formação, apraz-nos compartilhar algumas medidas que pela sua simplicidade e baixo custo poderiam ser aproveitadas para induzir, do ponto de vista da liderança e da ética, inputs importantes para a melhoria do nosso sistema educativo, corrigindo eventuais desacertos:

1. É desejável neste novo ano lectivo uma presença mais assídua da titular da pasta da educação nas escolas, pois, tem sido visível a ausência desta autoridade no terreno e as consequências são notórias quer na parte visível quer na parte submersa do iceberg;

2. Garantia de que a gestão da escola, apesar dos múltiplos constrangimentos, seja feita com maior rigor e que, por exemplo, os directores (e seus acólitos) sejam motivados e escolhidos entre os professores mais idóneos, ou seja, que reúnem, de entre outras qualidades, a liderança (baseada na autoridade e não no poder). Enfim, que tenhamos as pessoas certas nos lugares adequados e ajudadas pelo poder central, sobretudo em termos de satisfação das necessidades formativas em administração escolar;

3. É desejável que a Inspecção-Geral da Educação saia da hibernação em que tem vivido nestes últimos anos, sem prejuízo de vir ou não a ser aplacada pela “super-estrutura” já anunciada pelo governo. Sem a inspecção, as escolas ficam, cada vez mais, entregues à sua sorte e menos prestadoras de contas aos utentes e clientes. Ademais, a inspecção deve ter uma agenda pública e regular de avaliação externa do desempenho das estruturas educativas por forma a ajudar, por um lado, as escolas com baixo desempenho e, por outro, motivar as com bom desempenho;

4. Os delegados são, sobretudo fora do concelho da Praia, a primeira porta a que os cidadãos batem quando necessitam de apelar ao governo central e à Ministra da Educação, em particular, em matéria da educação e, por essa razão, jogam um papel de extrema importância: no mitigar das distâncias entre o centro e as periferias. Neste sentido, a escolha dos mesmos deve ser uma responsabilidade suprema da titular da pasta da Educação (e tratada como assunto de Estado) pela triangulando cuidada dos candidatos locais. Seria de grande valia termos nas diferentes delegações, representes à altura do membro de governo responsável pela área da educação, ou seja, pessoas capazes e admiradas pela sua competência técnica, visão integrada da educação no desenvolvimento local a par de um relacionamento proveitoso com os diversos stakeholders;

5. O Ministério da Educação tem, grosso modo, grande responsabilidade na educação (formal) dos cabo-verdianos e deve ser uma pessoa de bem. Por esta razão deve ter, por exemplo, tolerância zero nos casos de pedofilia, assédio e de outras promiscuidades que, de forma clara ou encoberta, minam o submundo das escolas, sobretudo, as do ensino secundário. A Ministra deve estar munida de olhos (leia-se directores) e ouvidos (compreende-se delegados) confiáveis e prontos a agir, em uníssono, no sentido de levar os casos até às últimas consequências;

6. Criação de uma agenda para que as escolas sejam capazes de reflectir sobre as suas práticas com verdade e instruírem processos objectivos e/ou comprometidos de melhoria. O devir é importante, do ponto de vista da axiologia educativa e as escolas precisam de ter uma visão sobre o seu futuro, sobretudo nos tempos actuais de grande incerteza.

Janelas de Oportunidades por Aproveitar

Baseada na concepção filosófica heraclitiana - de que é impossível banhar-se duas vezes nas águas de um rio - importa, assim, referir que cada ano lectivo comporta algo de único e irrepetível. Porém, a ambição deve ser que cada ano supere, positivamente, o anterior. Facto que, infelizmente, nem sempre acontece, pois, há problemas que se arrastam, gerando custos elevados de transacção. Apresentamos, de seguida, alguns exemplos:
• ausência de uma agenda séria e comprometida de formação contínua dos professores do básico e secundário. Os saberes tornam-se hoje facilmente obsoletos e há necessidade de uma aprendizagem contínua para melhorar o processo de ensino/aprendizagem;
• pouca abertura para outros profissionais administrarem, mediante projectos credíveis, as escolas públicas baseados nos princípios do Estado Avaliador, dado que, muitas vezes, perde-se um bom professor e ganha-se um gestor sofrível;
• atraso na reclassificação dos professores que fizeram a formação por conta própria, o que comporta injustiça e eleva a falta de motivação da classe docente;
• resistência na renovação dos serviços centrais do Ministério da Educação e na revisão do sistema de contratação que permitisse a entrada, em justas condições, de técnicos de outras áreas para militarem, por gosto, no Ministério sem serem professores ou pseudoprofessores, cativando assim bons quadros que trouxessem outras dinâmicas e olhares;
• pouco estimulo à participação e, sobretudo, ao envolvimento activo dos pais e encarregados de educação na vida escolar dos filhos e educandos. Ao invés, tendem a ser, nalguns casos, substituídos por instituições de cariz social;
• apatia na reintrodução da Secretaria de Estado da Educação que muito podia imprimir dinâmica ao Ministério da Educação, dado o seu papel charneira no desenvolvimento do país, entre outras.
Em jeito de apelo e conclusão, desejamos aos alunos novatos/caloiros e experimentados, votos de um bom ano e que a entrada seja triunfal na escola e, sobretudo, nas salas de aulas: que estudem com bravura para darem ânimo aos professores e para receberem, em troca, mais e melhores habilidades para a vida. Ao Ministério da Educação e as suas lideranças, por seu lado acreditamos, como dizia o outro, que devem ter ciência suficiente e [humidade necessária] para aceitarem e/ou para rejeitarem as propostas ora apresentadas, sendo certo que as lógicas que emergem das decisões políticas nem sempre bebem correctamente na investigação, no conselho de especialistas idóneos e no bom senso. 

*Licenciado em Ciências da Educação e Mestre em Educação, na especialidade de Administração e Organização Escolar.

Publicado no Bissemanário Asemana,  edição impressa, Sexta-feira,  28 de Setembro de 2012, Ano XXII, Nº 1064, pag.18, ponto de vista,   e na  edição Online no dia 03 de Outubro de 2012 (opinião).

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quinta-feira, setembro 27, 2012

Novo ano Lectivo e Velhos Desafios


Ninguém fica indiferente ao arranque do novo ano lectivo dado que constitui um processo ritualizado cujo preparo demorou meses e, neste momento, é escrutinado por todos no que tange às novidades introduzidas, às promessas feitas e às omissões verificadas nos discursos da titular da pasta da educação. 

Neste olhar sobre o lectivo 2012/2013 propomos reflectir, por um lado, de forma breve, sobre as angústias e as novidades constatadas e, por outro, de forma mais incisiva nas sugestões para atenuar as falhas na administração e gestão do sistema escolar e, por fim, elencar algumas omissões (medidas não contempladas para o presente ano) cujo atraso na implementação gera e tem gerado custos elevados de transacção aos subsistemas do ensino básico e secundário.   

O arranque do novo ano lectivo revela um misto de angústia e de novidade para os alunos, pais e professores. Pois, as escolas, particularmente as salas de aulas são, para muitos alunos e professores, um calvário que deve merecer dos investigadores e das autoridades uma averiguação profunda dado que a desmotivação é reinante, palpável e merecedora de um diagnóstico justo e de um tratamento adequado. Pois, os níveis de insucesso não deixam dúvidas. Ademais, a angústia perpassa também os pais no renovar dos investimentos nos materiais didácticos e transportes escolares sempre onerosos, na diminuição das expectativas de retorno da escola bem como no percurso dos alunos casa-escola, escola-casa que, nos tempos actuais, tem sido um factor a ter em conta devido à onda de insegurança que aflige a todos… do campo à cidade.


No que concerne às novidades, há sempre uma expectativa sobre os novos correctivos introduzidos no sistema como, por exemplo, os novos manuais, o alargamento da escolaridade obrigatória, a revisão curricular, entre outros. Contudo, as reformas anunciadas e programadas, na sua construção, nem sempre foram pilotadas de forma a evitar críticas fundamentadas e/ou para acolher todos os subsídios necessários a sua materialização bem-sucedida neste ano lectivo. Como efeito, a experiência internamente nos ensina que há sempre uma dose de arrogância que cega os processos reformatórios e contaminam os resultados finais devido a falha consciente ou inconsciente na comunicação e no poder de encaixe dos responsáveis dos projectos.

Todavia, no decorrer do ano lectivo certamente irão ser feitas adaptações por forma a suplantar algumas decisões, porventura, erradas dado que, por exemplo, nem tudo o que é decretado em termos curriculares é cumprido na íntegra. Pois, há uma distância entre o que é decretado pelo curriculista, cumprido pelo professor e aprendido pelo aluno.

Propostas de pista para uma Liderança Efectiva e Afectiva na Gestão da Educação
Na qualidade de cidadão atento e com uma visão distanciada e comprometida, apraz-nos compartilhar algumas medidas que pela sua simplicidade e baixo custo poderiam ser agora aproveitadas para induzir, do ponto de vista da liderança e da ética inputs importantes para a melhoria do nosso sistema educativo, corrigindo eventuais desacertos ocorridos nos anos anteriores:

1. Seria desejável neste novo ano lectivo uma presença mais assídua da titular da pasta da educação nas escolas. Pois, tem sido visível a ausência desta autoridade no terreno e as consequências são notórias quer na parte visível (nº de visitas efectuadas) quer na parte submersa do iceberg (na percepção que a comunidade educativa tem da ministra);

2. Garantia de que a gestão da escola, apesar dos múltiplos constrangimentos, seja feita com maior rigor e que, por exemplo, os directores (e seus acólitos) sejam motivados e escolhidos entre os professores mais idóneos, ou seja, que reúnem, de entre outras qualidades, a liderança (baseada na autoridade e não no poder). Enfim, que tenhamos as pessoas certas nos lugares adequados e ajudadas pelo poder central, sobretudo, em termos de satisfação das necessidades formativas em administração escolar; 

3. Seria desejável que a Inspecção-Geral da Educação saia da hibernação a que tem vivido nestes últimos anos, sem prejuízo de vir a ser ou não aplacada pela “super’’ estrutura já anunciada pelo governo. Sem a inspecção, as escolas ficam, cada vez mais, entregues à sua sorte – visível, nalguns casos, na desorganização e degradação física e moral - e menos prestadoras de contas aos utentes e clientes. Ademais, a inspecção deve ter uma agenda pública e regular de avaliação externa do desempenho das estruturas educativas por forma a ajudar, por um lado, as escolas com baixo desempenho e, por outro, motivar as com bom desempenho; 
4. Os delegados do Ministério da Educação são, sobretudo fora do concelho da Praia, a primeira porta a que os cidadãos batem quando necessitam apelar o governo central e à Ministra da Educação, em particular, em matéria da educação e, por essa razão jogam um papel de extrema importância: no mitigar das distâncias entre o centro e as periferias. Neste sentido, a escolha dos mesmos deve ser uma responsabilidade suprema da titular da pasta da educação (e tratada como sendo assunto de Estado) o que pressupõe uma triangulação cuidada dos candidatos. Seria de grande valia termos nas diferentes delegações, representantes à altura do membro de governo responsável pela área da educação, ou seja, pessoas capazes e admiradas pela sua competência técnica, visão integrada da educação no desenvolvimento local a par de um relacionamento proveitoso com os diversos stakeholders;

5. O Ministério da Educação tem, a grosso modo, grande responsabilidade na educação (formal) dos cabo-verdianos e deve reafirmar-se como pessoa de bem. Por esta razão deve, quanto a nós, no ano lectivo que agora se inicia, ter tolerância zero nos casos de pedofilia, assédio e de outras promiscuidades que de forma clara ou encoberta minam o submundo das escolas, sobretudo, as do ensino secundário. A Ministra deve estar munida de olhos (lê-se directores) e ouvidos (compreende-se delegados) confiáveis e prontos a agirem, em uníssono, no sentido de levar os casos até às últimas consequências;

6. Criação de uma agenda para que as escolas sejam capazes de reflectir sobre as suas práticas com verdade e a instruírem processos objectivos e/ou comprometidos de melhoria. O devir é importante, do ponto de vista da axiologia educativa, e as escolas precisam de ter uma visão sobre o seu futuro, sobretudo nos tempos actuais de grande incerteza.

Janelas de Oportunidades por Aproveitar

Baseada na concepção filosófica Heraclitiana de que é impossível banhar-se duas vezes nas águas de um rio, importa, assim, referir que cada ano lectivo comporta, por essa razão, algo de único e irrepetível. Porém, a ambição deve ser que cada ano supere, positivamente, o anterior. Facto que, infelizmente, nem sempre acontece. Pois, há problemas que se arrastam, gerando custos elevados de transacção. Apresentamos, de seguida, alguns exemplos:
  • ausência de uma agenda séria e comprometida de formação contínua dos professores do básico e secundário. Os saberes tornam-se hoje facilmente obsoletos e há necessidade de uma aprendizagem contínua por forma a melhorar, cada vez mais, o processo de ensino/aprendizagem;
  • pouca abertura para outros profissionais administrarem, mediante projectos credíveis, as escolas públicas baseados nos princípios do Estado Avaliador dado que, muitas vezes, perde-se um bom professor e ganha-se, em troca, um gestor sofrível;
  •  atraso na reclassificação dos professores que fizeram a formação por conta própria o que comporta uma carga de injustiça (penalização) e eleva deste modo a dita desmotivação da classe docente;
  • resistência na renovação dos serviços centrais do Ministério da Educação e na revisão do sistema de contratação que, permitisse a entrada, em justas condições, de técnicos de outras áreas para militarem, por gosto, no Ministério sem serem professores ou pseudoprofessores, cativando assim bons quadros que trazem outras dinâmicas e olhares;
  • pouco estimulo à participação e, sobretudo, ao envolvimento activos dos pais e encarregados de educação na vida escolar dos filhos e educandos que, ao invés,  tendem a ser, nalguns casos,  substituídos por instituições de cariz social;
  • apatia para a reintrodução da Secretaria de Estado da educação que seria de grande valia para imprimir dinâmica ao Ministério da Educação e do papel deste enquanto charneira no desenvolvimento equilibrado do país, entre outras vantagens.
Em jeito de apelo e conclusão, desejamos aos novos alunos que entraram no sistema e aos que renovaram a matrícula, votos de um bom ano e que a entrada seja triunfal na escola e, sobretudo, nas salas de aulas; que estudem com bravura para darem ânimo aos professores e para receberem, em troca, mais e melhores habilidades para a vida. Ao Ministério da Educação e às suas lideranças, por seu lado, acreditamos, como dizia o outro, que devem ter ciência suficiente e [humidade necessária] para aceitarem e/ou para rejeitarem as propostas e sugestões ora apresentadas dado que as lógicas que emergem das decisões políticas nem sempre bebem correctamente na investigação, no conselho de especialistas idóneos e no bom senso.      

Albino Luciano Silva                                                
Licenciado em Ciências da Educação e Mestre em Educação, na especialidade de Administração e Organização Escolar.

segunda-feira, junho 11, 2012

Quando a Violência nos Bate à Porta



A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem (Epicuro).


Assisti uma notícia na Televisão Pública (TCV, Jornal da Tarde, 11 de Junho) que me prendeu ao pequeno ecrã: um morador de um bairro humilde da capital cabo-verdiana reclamou, chorando desesperado e visivelmente emocionado do acto de violência gratuita que lhe bateu à porta e à dos demais vizinhos da sua redondeza sem que houvesse prontidão da polícia em evitar o pior - porque esta chegou, uma vez mais, atrasada ao local do crime.

O fenómeno de delinquência (liderado por jovens e menos jovens) que tem assolado a cidade da Praia, em particular, e o país, de uma forma geral, atinge promoções humanamente desesperantes. Quando uma mãe assiste de forma impotente  à morte de um filho (mesmo que ele seja thug) é traumático; da mesma forma o funeral de uma pessoa (mesmo que tenha sido thug) não constitui uma vitória para a sociedade. Denota, sim, pelo contrário, que algo vai mal na nossa sociedade e todos temos uma quota-parte da responsabilidade. A polícia deve actuar antes da desgraça (com repressão se for o caso), o tribunal deve condenar (com justiça) antes que o sangue seja derramado e as instituições sociais devem agir, no terreno, complementando o trabalho da família, escola, justiça e polícia na prevenção dos comportamentos de risco.

O fenómeno da delinquência gera stress social e agudiza o conformismo com a pobreza, sobretudo no meio rural. Pois, cada galinha roubada, cada cabeça de gado perdida, cada peça de ouro desaparecida constitui um incentivo a não produção uma vez que ninguém, no seu perfeito juízo, gosta de trabalhar para alimentar a casa do ladrão.

Neste sentido, os formuladores das políticas públicas devem entender que a segurança gera conforto psicológico e permite que cada um se esforce para conseguir o seu ganha-pão de forma honesta. Havendo um ambiente de segurança menos meliantes operam no país porque, na certa, serão apanhados (a tempo) e enquadrados (com rigor) nas leis que regem a nossa república e os bons costumes. Todavia, a incapacidade e a permissividade a que temos estado a assistir inspira uma reflexão profunda na medida em que, na maioria dos casos, é o cidadão humilde e indefeso que vive a contar com os ditos delinquentes e criminosos.

Cabo Verde tem verificado na última década uma corrida desenfreada às grades de ferro nas habitações o que à vista desarmada mostra que vivemos presos dentro das nossas casas (mesmo que estas fiquem em andares superiores) o que nos leva a duas conclusões simples e, por isso, evidentes: a) em caso de incêndio no interior da casa os ocupantes, na impossibilidade de usarem a porta principal, serão reduzidos a pó ou, então, mortos por inalação de fumo; b) em caso de ataque bárbaro e traiçoeiro por delinquentes, as consequências serão trágicas e irreversíveis porque nem pela janela as vítimas conseguem fugir (atirar-se) porque o ferro não  permite…

 O morador do bairro que me inspirou a esta reflexão terminou o seu depoimento a instigar a justiça por conta própria; um acto de desânimo desesperadamente  compreensível e reprovada, em toda linha, pelo nosso Estado de direito democrático. Os sábios que decerto passaram pelo mesmo aperto nos dizem que a justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem (Epicuro).

No caso em apreço uma questão pungente que fica sem resposta tem sido a ausência da justiça e do sentido da mesma na nossa sociedade. Um provérbio antigo deixa-nos ainda preocupados com este silêncio: infeliz da geração cujos juízes merecem ser julgados

A esperança na melhoria da situação actual deve persistir porque as soluções para o combate à criminalidade já estão inventadas e inventariadas; o que precisamos - sem querer chover no molhado - é de encontrar a dose certa: entre a coragem das autoridades para resgatarem o poder do Estado e a visão integrada do problema pelas ditas instituições que estão a “cuidar do caso”… enquanto a violência, em surdina, nos bate à porta forte e feio…

Albino Luciano Silva 

Publicado no Bissemanário Asemana, Sexta-feira, 15 de Junho de 2012,  Ano XXII, nº  1048, pág. 21.  



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segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Figueira Gorda passado e futuro

Fui no 11 de Fevereiro assistir ao acto de lançamento da primeira pedra da barragem de Figueira Gorda (ou odju d´agu), em Ribeirão boi. Figueira Gorda sempre chamou atenção pelo seu encanto natural (confluência de duas grandes rochas negras) e pela sua água.

Nos anos 60, a Brigada de Estudos e Trabalhos Hidráulicos fez aí uma grande intervenção com o objectivo de levar a sua água até à propriedade de Eng. Almeida Henriques, actual empresa Justino Lopes.

Em 2014 o objectivo maior de Figueira Gorda será reabilitar Justino Lopes (a maior empresa agrícola do país) e ajudar centenas de outros agricultores que possuem terras aráveis nas localidades de Boaventura (a montante), Ribeirão boi e Coqueiro (a jusante) e, por fim, Achada bel-bel (através do sistema de bombagem).

Convém lembrar que uma parte significativa das cheias de Santa Catarina passava perante o olhar impotente dos habitantes de Boa-entradinha, Jalalo Ramos, Boaventura, Ribeirão boi, Pinga mel com destino ao mar, em Coqueiro. A partir de 2014, se Deus quiser, a mesma será retida na barragem de Figueira Gorda.

Se tudo correr bem, com a construção da barragem as populações acima citadas acabarão, de uma forma ou de outra, por realizar um sonho antigo: ter água para rega 365 dias por ano.

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quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Barragem de Figueira Gorda arranca 09 Fevereiro

A construção da Barragem de Figueira Gorda - concelho de Santa Cruz, interior de Santiago - arranca no próximo sábado, 11. A primeira pedra será lançada pelo primeiro-ministro, José Maria Neves.

A nova infra-estrutura hidráulica a estar pronta dentro de dois anos, irá armazenar 950.000 m3 de água que irão beneficiar cerca de 480 agricultores numa área de 120 hectares de terrenos. Mais, à volta da Barragem de Figueira Gorda vai nascer uma aldeia de 50 casas, que vão ser construídas de raiz para realojar a população da Ribeira de Boaventura.

Contactado por "asemanaonline", o presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz, Orlando Sanches, não esconde a sua satisfação e avança que o “maior tanque” de Santa Cruz vai criar mais zonas irrigadas, mais empregos bem como a reanimação da actividade agrícola no concelho.

" A Barragem de Figueira Gorda vem dar forma a um sonho antigo: a reabilitação da Justino Lopes, a maior empresa agrícola do país, dando-lhe a importância que tinha para a economia da ilha de Santiago", congratula o autarca.

Os trabalhos vão estar a cargo da empresa portuguesa Conduril que tem um prazo de dois anos para entregar a Barragem de Figueira Gorda prontinha da silva. A barragem nasce no âmbito da linha de crédito do governo português que disponibilizou a Cabo Verde 100 milhões de euros para a mobilização de água para a agricultura.

Notícia Asemana online.

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