quinta-feira, setembro 27, 2012

Novo ano Lectivo e Velhos Desafios


Ninguém fica indiferente ao arranque do novo ano lectivo dado que constitui um processo ritualizado cujo preparo demorou meses e, neste momento, é escrutinado por todos no que tange às novidades introduzidas, às promessas feitas e às omissões verificadas nos discursos da titular da pasta da educação. 

Neste olhar sobre o lectivo 2012/2013 propomos reflectir, por um lado, de forma breve, sobre as angústias e as novidades constatadas e, por outro, de forma mais incisiva nas sugestões para atenuar as falhas na administração e gestão do sistema escolar e, por fim, elencar algumas omissões (medidas não contempladas para o presente ano) cujo atraso na implementação gera e tem gerado custos elevados de transacção aos subsistemas do ensino básico e secundário.   

O arranque do novo ano lectivo revela um misto de angústia e de novidade para os alunos, pais e professores. Pois, as escolas, particularmente as salas de aulas são, para muitos alunos e professores, um calvário que deve merecer dos investigadores e das autoridades uma averiguação profunda dado que a desmotivação é reinante, palpável e merecedora de um diagnóstico justo e de um tratamento adequado. Pois, os níveis de insucesso não deixam dúvidas. Ademais, a angústia perpassa também os pais no renovar dos investimentos nos materiais didácticos e transportes escolares sempre onerosos, na diminuição das expectativas de retorno da escola bem como no percurso dos alunos casa-escola, escola-casa que, nos tempos actuais, tem sido um factor a ter em conta devido à onda de insegurança que aflige a todos… do campo à cidade.


No que concerne às novidades, há sempre uma expectativa sobre os novos correctivos introduzidos no sistema como, por exemplo, os novos manuais, o alargamento da escolaridade obrigatória, a revisão curricular, entre outros. Contudo, as reformas anunciadas e programadas, na sua construção, nem sempre foram pilotadas de forma a evitar críticas fundamentadas e/ou para acolher todos os subsídios necessários a sua materialização bem-sucedida neste ano lectivo. Como efeito, a experiência internamente nos ensina que há sempre uma dose de arrogância que cega os processos reformatórios e contaminam os resultados finais devido a falha consciente ou inconsciente na comunicação e no poder de encaixe dos responsáveis dos projectos.

Todavia, no decorrer do ano lectivo certamente irão ser feitas adaptações por forma a suplantar algumas decisões, porventura, erradas dado que, por exemplo, nem tudo o que é decretado em termos curriculares é cumprido na íntegra. Pois, há uma distância entre o que é decretado pelo curriculista, cumprido pelo professor e aprendido pelo aluno.

Propostas de pista para uma Liderança Efectiva e Afectiva na Gestão da Educação
Na qualidade de cidadão atento e com uma visão distanciada e comprometida, apraz-nos compartilhar algumas medidas que pela sua simplicidade e baixo custo poderiam ser agora aproveitadas para induzir, do ponto de vista da liderança e da ética inputs importantes para a melhoria do nosso sistema educativo, corrigindo eventuais desacertos ocorridos nos anos anteriores:

1. Seria desejável neste novo ano lectivo uma presença mais assídua da titular da pasta da educação nas escolas. Pois, tem sido visível a ausência desta autoridade no terreno e as consequências são notórias quer na parte visível (nº de visitas efectuadas) quer na parte submersa do iceberg (na percepção que a comunidade educativa tem da ministra);

2. Garantia de que a gestão da escola, apesar dos múltiplos constrangimentos, seja feita com maior rigor e que, por exemplo, os directores (e seus acólitos) sejam motivados e escolhidos entre os professores mais idóneos, ou seja, que reúnem, de entre outras qualidades, a liderança (baseada na autoridade e não no poder). Enfim, que tenhamos as pessoas certas nos lugares adequados e ajudadas pelo poder central, sobretudo, em termos de satisfação das necessidades formativas em administração escolar; 

3. Seria desejável que a Inspecção-Geral da Educação saia da hibernação a que tem vivido nestes últimos anos, sem prejuízo de vir a ser ou não aplacada pela “super’’ estrutura já anunciada pelo governo. Sem a inspecção, as escolas ficam, cada vez mais, entregues à sua sorte – visível, nalguns casos, na desorganização e degradação física e moral - e menos prestadoras de contas aos utentes e clientes. Ademais, a inspecção deve ter uma agenda pública e regular de avaliação externa do desempenho das estruturas educativas por forma a ajudar, por um lado, as escolas com baixo desempenho e, por outro, motivar as com bom desempenho; 
4. Os delegados do Ministério da Educação são, sobretudo fora do concelho da Praia, a primeira porta a que os cidadãos batem quando necessitam apelar o governo central e à Ministra da Educação, em particular, em matéria da educação e, por essa razão jogam um papel de extrema importância: no mitigar das distâncias entre o centro e as periferias. Neste sentido, a escolha dos mesmos deve ser uma responsabilidade suprema da titular da pasta da educação (e tratada como sendo assunto de Estado) o que pressupõe uma triangulação cuidada dos candidatos. Seria de grande valia termos nas diferentes delegações, representantes à altura do membro de governo responsável pela área da educação, ou seja, pessoas capazes e admiradas pela sua competência técnica, visão integrada da educação no desenvolvimento local a par de um relacionamento proveitoso com os diversos stakeholders;

5. O Ministério da Educação tem, a grosso modo, grande responsabilidade na educação (formal) dos cabo-verdianos e deve reafirmar-se como pessoa de bem. Por esta razão deve, quanto a nós, no ano lectivo que agora se inicia, ter tolerância zero nos casos de pedofilia, assédio e de outras promiscuidades que de forma clara ou encoberta minam o submundo das escolas, sobretudo, as do ensino secundário. A Ministra deve estar munida de olhos (lê-se directores) e ouvidos (compreende-se delegados) confiáveis e prontos a agirem, em uníssono, no sentido de levar os casos até às últimas consequências;

6. Criação de uma agenda para que as escolas sejam capazes de reflectir sobre as suas práticas com verdade e a instruírem processos objectivos e/ou comprometidos de melhoria. O devir é importante, do ponto de vista da axiologia educativa, e as escolas precisam de ter uma visão sobre o seu futuro, sobretudo nos tempos actuais de grande incerteza.

Janelas de Oportunidades por Aproveitar

Baseada na concepção filosófica Heraclitiana de que é impossível banhar-se duas vezes nas águas de um rio, importa, assim, referir que cada ano lectivo comporta, por essa razão, algo de único e irrepetível. Porém, a ambição deve ser que cada ano supere, positivamente, o anterior. Facto que, infelizmente, nem sempre acontece. Pois, há problemas que se arrastam, gerando custos elevados de transacção. Apresentamos, de seguida, alguns exemplos:
  • ausência de uma agenda séria e comprometida de formação contínua dos professores do básico e secundário. Os saberes tornam-se hoje facilmente obsoletos e há necessidade de uma aprendizagem contínua por forma a melhorar, cada vez mais, o processo de ensino/aprendizagem;
  • pouca abertura para outros profissionais administrarem, mediante projectos credíveis, as escolas públicas baseados nos princípios do Estado Avaliador dado que, muitas vezes, perde-se um bom professor e ganha-se, em troca, um gestor sofrível;
  •  atraso na reclassificação dos professores que fizeram a formação por conta própria o que comporta uma carga de injustiça (penalização) e eleva deste modo a dita desmotivação da classe docente;
  • resistência na renovação dos serviços centrais do Ministério da Educação e na revisão do sistema de contratação que, permitisse a entrada, em justas condições, de técnicos de outras áreas para militarem, por gosto, no Ministério sem serem professores ou pseudoprofessores, cativando assim bons quadros que trazem outras dinâmicas e olhares;
  • pouco estimulo à participação e, sobretudo, ao envolvimento activos dos pais e encarregados de educação na vida escolar dos filhos e educandos que, ao invés,  tendem a ser, nalguns casos,  substituídos por instituições de cariz social;
  • apatia para a reintrodução da Secretaria de Estado da educação que seria de grande valia para imprimir dinâmica ao Ministério da Educação e do papel deste enquanto charneira no desenvolvimento equilibrado do país, entre outras vantagens.
Em jeito de apelo e conclusão, desejamos aos novos alunos que entraram no sistema e aos que renovaram a matrícula, votos de um bom ano e que a entrada seja triunfal na escola e, sobretudo, nas salas de aulas; que estudem com bravura para darem ânimo aos professores e para receberem, em troca, mais e melhores habilidades para a vida. Ao Ministério da Educação e às suas lideranças, por seu lado, acreditamos, como dizia o outro, que devem ter ciência suficiente e [humidade necessária] para aceitarem e/ou para rejeitarem as propostas e sugestões ora apresentadas dado que as lógicas que emergem das decisões políticas nem sempre bebem correctamente na investigação, no conselho de especialistas idóneos e no bom senso.      

Albino Luciano Silva                                                
Licenciado em Ciências da Educação e Mestre em Educação, na especialidade de Administração e Organização Escolar.