segunda-feira, outubro 20, 2008

O Dia que Deixei de Acreditar em Ti

Estava sentado a atirar palavras aos ventos quando estes se esfarraparam nos meus ouvidos cochichando mistérios, revelando murmúrios e desenterrando estrumes amontoados pelos anos. O martelar das letras - como o ferreiro a vergar a mola perante o seu ganha-pão - furou veias e penetrou no profundo do meu coração, num movimento rápido e suarento.
Afinal, a água que antes corria serenamente se perdeu a cumprimentar as plantas ao longo do percurso, esquecendo-se, por isso, do seu destino: o mar sedento. O que antes era cristalino, incolor e inodoro ganhou mancha, perdeu o perfume e a beleza. O tempo conserva, mas os anos trazem ao de cima os desmandos perpetuados pela soma dos minutos, horas e dos próprios dias. A amizade, tal como um bom vinho, quando saboreados se acusarem o descuido do cultivo ou da vindima “sabem a azedo” - o que faz perder o seu valor inicial.
Ao constatar que as letras que lia nos raios desciam para a menina dos meus olhos à medida que pingos vermelhos manchavam as letras do teu nome fizeram-me convencer do poder da dislexia. Com efeito, aos poucos fui trocando as consoantes, os vogais e os iis que antes coloriam o que era singelo: o teu nome. Com a ausência da luz, uma imensa mancha escura sobrevoou o meu pensamento, tornando, assim, difícil seguir o percurso da água cristalina que transporta a esperança para oceanos que banham terras por descobrir; esconde tesouros entre as pedras de baixo valor; dilui o amor nas pétalas das flores por polinizar e a saudade no coração das mães sedentas por um último beijo.
Com efeito, o mesmo vento que ora esgravata segredos; que traz notícias hibernadas pelo medo; que mata a esperança, brinda-nos, também, de quando em vez, com uma palavra amiga...
Diz ele, em jeito de desculpas: - “ando pelos montes arrastando terras, por vezes, tectos, espalhando sementes e poeiras, mas também visito cada casa por mais distante que ela esteja, entro no coração de cada homem quer seja ele rã ou gigante quer seja ele humilde ou ignorante. Hoje visitei-te e quase estraguei o teu dia, mas, no final, ainda me agradeces - acrescentou. Pois, dias houve que te alegrei quando estavas triste; refresquei-te quando estavas suado; dei-te “mantenhas” dos amores que partiram e recados dos amigos para serem entregues ao futuro”.
Escutei calado, mas entre longos silêncios respondi: - “Deixei de acreditar em ti, mas na soleira da porta irei seguir os teus rastos sempre que as árvores se mexerem e os pulmões inspirarem para ganharem novo fôlego e recomeçarem tudo de novo... again and again... desterrando tristezas e espalhando sorrisos por cidades, montes e vales - afluentes eternos do meu rio chamado esperança...

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