sexta-feira, junho 05, 2009

Do Estado Provedor ao Estado Avaliador (1)


A Regulação da Educação em Cabo Verde
In Jornal A Semana, Sexta-feira, 05 de Junho de 2009

O tema da regulação em Cabo Verde, por imposição ou sugestão de alguns organismos internacionais, tem ganho peso em alguns sectores e relevância em alguns domínios, assim como herdou problemas conhecidos entre o regulador e o regulado. Contudo, importa suplicar a transferência das conquistas alcançadas nas áreas reguladas para a melhoria do mercado da educação, que é o nosso alfa e ómega. O caminho é, porventura, longo, mas “a viagem longa faz-se de véspera”…

As mudanças globais e aceleradas que marcam o quotidiano de muitas empresas, instituições e alguns Estados obrigaram os agentes sociais a utilizar a regulação como forma de introduzir maior “civilidade” na prestação de serviços ao consumidor. A justificar esta orientação, temas como a regulação económica, a regulação genética, a regulação urbana, a regulação prudencial e a regulação da comunicação social, entre outras, aparecem de forma frequente, quase que diariamente, no espectro mediático.

Em Cabo Verde, tem surgido uma janela de oportunidade para o florescimento da discussão tanto do conceito como do processo, na tentativa de, por um lado, produzir uma moldura processual (legislação) compatível, por exemplo, com a realidade da União Europeia – onde se promove o encontro de expectativas entre os provedores dos serviços e os consumidores – e, por outro, dar sustentabilidade ao patamar alcançado, recentemente, pelo arquipélago: graduação a País de Rendimento Médio.

Entendemos por regulação o acto de regular, ou seja, o modo como se ajusta a acção (mecânica, biológica e social) a determinadas finalidades, traduzidas sob a forma de regras e normas previamente definidas. Neste artigo, a nossa pretensão fica por uma viagem à volta do conceito em apreço com a análise subsequente do processo de regulação do ponto de vista da administração educacional, sem tirar mérito e pertinência a outros olhares e itinerários possíveis de abordagem.

A decisão de certos Estados em deixar de providenciar serviços que antes eram tidos como da sua exclusiva competência como, por exemplo, a educação, a saúde e a segurança social, etc., marcou o fim de um ciclo: do Estado Providência ou do Estado Educador, para ser mais conciso e os mesmos passaram a ser geridos pelo mercado através de acordos de privatização, liberalização e/ou de prestação de tarefa em regime outsourcing.

Esta nova geração de prestação de serviço ao público impõe ao Estado a assunção de uma nova e acrescida responsabilidade: ser um entidade avaliadora – princípio do Estado Avaliador, ou seja, fica incumbido, por inerência de funções, o cuidado de zelar para que as atribuições outorgadas ao mercado, por exemplo, às escolas privadas e cooperativas, sejam cumpridas na íntegra, a par do “poder” de agir, em conformidade, em caso de inobservância dos princípios pré-acordados, sancionando, obviamente, os infractores.

Com efeito, os discursos em torno da regulação são divergentes, sendo de destacar que existem interpretações diversas sobre a regulação conforme a natureza da organização do Estado, Assim, a pré-regulação é perceptível nos sistemas de administração centralizados (onde o Estado ou os seus tentáculos produzem toda a normatividade burocrática que deve ser atendida de forma rígida). Já a multiregulação ou co-regulação, que nós defendemos, por seu turno, está associada aos sistemas descentralizados onde a regulação é feita de forma simultânea e a vários níveis.

Segundo essa lógica, que vai ao encontro das abordagens sistémicas e holísticas, as organizações escolares são vistas como um todo e não como uma área fragmentada do sistema social, onde todas as perspectivas devem ser analisadas de forma eclética, o que, por outras palavras, significa valorizar o que cada olhar tem de melhor para o processo de construção e de compreensão de um modelo regulatório comum fruto de um consenso negociado.

Consequentemente, no domínio da educação e da governação das escolas, em particular, o desenvolvimento de um plano de auto-avaliação permite que as instituições adoptem uma prática de auto-regulação e dêem inputs importantes à entidade reguladora, se bem que, em Cabo Verde, este figurino, ainda, não existe.

Se nos sistemas de governo centralizados, a regulamentação é bastante forte como forma de impor uma norma comum a toda a estrutura educativa, sem a preocupação específica com a qualidade da mesma, nos sistemas descentralizados, a preocupação com a qualidade é uma finalidade que se alcança com fins concretos e exequíveis que passam, claramente, pela regulação deste sector. Neste particular e com o intuito de dissipar possíveis ambiguidades, importa (re)lembrar que a regulamentação enquanto processo de codificação de regras, constitui uma componente específica da regulação e nunca o inverso. Sendo assim, a prática correcta da regulação pressupõe a existência uma estreita ligação com a avaliação institucional que cria o que se designa de auto-regulação.

Pelo que foi dito, torna-se evidente que as organizações que não desenvolvem uma prática de análise interna da sua actividade acabam por não compreender o presente e vislumbram, de forma ofuscada, o seu o futuro, restando-lhe, assim, pouca margem de inovação e progresso, pois, vivem ao sabor dos ventos…

A contrariar esta tendência, a aposta na regulação garante, entre outros proveitos, a regulamentação (produção e institucionalização de normas), a garantia do controlo da qualidade e da eficácia dos serviços prestados, sem contar com um conhecimento profundo da realidade organizacional e da sua consequente governabilidade. No sistema educativo, a aposta certa seria o investimento num sistema de avaliação contínua das escolas, o que se concretizaria através da criação de um sistema de auto-avaliação das organizações educativas, bem como a formulação de uma visão do que o país quer para cada sub-sistema de ensino, com particular incidência para o secundário e o superior.

Albino Luciano Silva
Mestre em Educação (esp. Administração e Organização Escolar) e Pós-graduado em Gestão e Avaliação da Formação
E-mail:
s_albino21@hotmail.com; Blog: edukamedia, disponível em www.edukamedia.blogspot.com

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