quarta-feira, junho 29, 2011

Prefácio da Obra Auto-Avaliação da Escola e Desenvolvimento Institucional

PREFÁCIO

PRIMEIRO, A AMIZADE…

O Outono já ia a pino e as árvores, preparando-se para receber uma brutal inflexão negativa das temperaturas, soltavam as suas folhas, deixando-as voar irremediavelmente na direcção do infinito. Eu era apenas uma dessas folhas de Outono que o destino daquele ano de 1999 tinha deixado nas portas da Universidade de Coimbra. O vento levou-me para a porta da Faculdade de Letras. Ao Albino Luciano Tavares Silva, uma outra corrente de vento arrastou-lhe para as portas da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. E assim começou-se a escrever a história de dois destinos que, contrariando ventos e marés, cruzavam-se nos vários palcos da vida (estudo, viagens e fé).

Com o Albino Luciano Tavares Silva, cruzei-me nos ardentes debates que desencadeávamos na porta da Associação Académica de Coimbra; cruzei-me com ele nas margens do rio Mondego e do Sena, em Paris; cruzei-me com ele na Disney Land -Paris a experimentar a adrenalina da velocidade na montanha russa; cruzei-me com ele no portão principal do Campo de Concentração, em Chão Bom; cruzei-me com ele nas portas da Catedral de Santiago de Compostela, na Galiza, pedindo auxílio ao apóstolo de Cristo; cruzei-me com ele, sobretudo, na ‘Salinha’ da Associação Académica da Universidade de Coimbra, onde, anos a fio, brigávamos com noites e madrugadas à procura da satisfação intelectual, cumprindo com os nossos deveres como alunos e bolseiros (eu do Governo de Cabo Verde e ele do então Instituto da Cooperação Portuguesa/ actual Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento – IPAD).

Na verdade, em nenhum desses palcos da vida nós cruzamo-nos por acaso, mas sempre fizemos uma caminhada conjunta porque os nossos sonhos sempre estiveram abraçados como filhos de gente humilde que acreditou na escola como geradora de oportunidades de transformação pessoal e social e crentes no trabalho honesto como uma fonte inspiradora do progresso sustentável.

O tempo passou e a minha relação com o Albino Luciano Tavares Silva foi-se amadurecendo. Primeiro, começámos como conhecidos; depois, como grandes amigos; seguidamente, acabamos por nos adoptar um ao outro como irmão. Todo esse tempo serviu para que Albino Luciano Tavares Silva aprendesse comigo muito daquilo que eu aprendia com os meus professores… e eu com ele aquilo que aprendia com os seus mestres. Por isso, devo-lhe muito do conhecimento que tenho na área da Educação.

Por tudo isso, prefaciar uma obra de alguém que adoptei como irmão, cuja amizade se estende por mais uma década de vida, enche-me de orgulho. Mas, não é só isso: vestir de palavras uma obra de uma pessoa com quem partilhei sonhos e incertezas, mas também alegrias e conquistas, que acompanhei o seu nascimento enquanto pensador da Educação, entre a Licenciatura em Coimbra, uma Pós-graduação no ISLA-Lisboa, seguido de um Mestrado na Universidade de Lisboa – que resultou neste livro –, é como vestir um sobrinho querido e desejado, pensado e planeado, amado e sentido… um sobrinho meu… filho de quem Albino Luciano Tavares Silva é pai, ou seja, autor.

QUANDO OS PAPÉIS SE INVERTEM…

Quando um profissional se encontra encaixado numa certa ordem social e profissional, muitas vezes cria determinadas rotinas, mostrando resistência a uma possível mudança de paradigma. Porém, quando a mudança implica uma inversão dos papéis, a resistência é ainda maior. Pensemos num médico, quando passa a paciente; num jornalista quando passa a entrevistado, sobretudo em situações incómodas; num polícia quando vai a julgamento como ladrão; num professor quando é sujeito à avaliação. Com mais ou menos graus de diferença e de comparação, em todos esses casos sempre encontramos uma falta de predisposição para assumir o papel contrário àquele que é considerado socialmente relevante.

Para alguns, a escola é um lugar essencialmente de ensino. Neste caso, o ensino é entendido como um processo unidireccional, do professor para o aluno. Quando se procuram inverter os papéis, com o objectivo de tornar a escola num lugar de aprendizagem de todos os intervenientes, podem surgir forças antagónicas porque, sobretudo, os professores se acham diminuídos nos seus poderes dentro do esquema de ensino.

Por esta razão, nem todos olham com bons olhos o processo de regular, não só o sistema educativo, mas o próprio processo de ensino/aprendizagem. Nada mais errado. Partindo de princípio de que o conhecimento humano não é absoluto, qualquer momento é oportuno para a aprendizagem. Neste sentido, a avaliação do ensino é uma oportunidade única para os próprios professores dilatarem os seus conhecimentos acerca da educação, da escola, do ensino e do próprio sistema educativo.

A auto-avaliação das escolas – tema que Albino Luciano Tavares Silva trabalha neste livro – é um processo muito importante de construção da arquitectura pedagógica, por se constituir um momento ímpar de aprendizagem. A escola, enquanto instituição, inteira-se das suas deficiências; os professores se consciencializam das necessidades de empreender melhorias nas metodologias de ensino; e os alunos são integrados, da melhor forma, no processo ensino/aprendizagem.

Neste sentido, todos saem a ganhar, ao contrário do que a inversão dos papéis, à partida, poderia sugerir. A auto-avaliação permite abrir um espaço de reflexão sobre a escola como uma instituição de ensino e de aprendizagem, aprumando a consciência dos intervenientes sobre os caminhos a percorrer para a melhoria da qualidade do ensino. Desta forma, combate-se, com eficácia, o insucesso escolar. Planeando, desenvolvendo e avaliando o seu desempenho no processo educativo, a auto-avaliação permite que a escola desenvolva, com sucesso, as suas actividades.

A auto-avaliação da escola permite estabelecer uma revisão correctiva do sistema educativo, assegurando a disponibilidade de informação e gestão, ao mesmo tempo que dota a administração do sistema educativo e a própria sociedade de ferramentas de gestão do funcionamento das escolas. Outrossim, a auto-avaliação das escolas vai rompendo fronteiras para uma maior participação da comunidade educativa no processo ensino-aprendizagem e assegurando a credibilidade e o sucesso do sistema de ensino, valorizando, por um lado, o papel dos vários intervenientes do processo educativo (pais, professores, alunos, pessoal não docente, familiares, padrinhos e encarregados da educação em geral), promovendo, por outro lado, o cultivo intensivo da cultura de sucesso e da melhoria continuada. Só assim a escola pode assumir o seu estatuto de um espaço de aprendizagem por excelência.

Olhando para todas essas questões que a auto-avaliação das escolas implica, Albino Luciano Tavares Silva faz apontar que uma boa escola é aquela que, não só ensina, como também aprende. Tanto é verdade essa afirmação que, uma escola que só se preocupa em ensinar sem procurar aprender nada, vai acabar por esvaziar-se de conteúdos e de autoridade porque não é reconhecida pela sociedade como um espaço que promove o desenvolvimento. Esta é, sem dúvida, também um dos papéis reservados às escolas.

O termo desenvolvimento aqui é entendido, numa acepção mais directa, como desenvolvimento intelectual, moral, psíquico, humano, cultural e social. Este mesmo processo de desenvolvimento – que integramos numa categoria global de desenvolvimento cognitivo – acaba, indirectamente, por influenciar o desenvolvimento económico das nações. Para isso, são convocados vários sistemas de extracção do conhecimento. De um lado, temos a investigação, que pode trazer contributos novos, inclusive rompendo com paradigmas estabelecidos; do outro lado, temos a conexão inter-paradigmática que se pode estabelecer entre linhas de trabalho e de pensamento de diferentes escolas, as disciplinas nas quais os seus conhecimentos se encontram mais aprofundados e a troca de conhecimento e de experiências; ainda, temos os diferentes sistemas regulatórios, dos quais se destaca a questão a auto-avaliação.

É sobre este último fundamento de avaliação da qualidade da escola e do seu desempenho que se baseia o trabalho de Albino Luciano Tavares Silva. A auto-avaliação das escolas pertence a uma família regulatória mais ampla, que é a avaliação institucional. Esta, filha da intensificação dos estudos sobre as organizações – que mais do que na área das Ciências da Educação, popularizou estudos aprofundados em Sociologia das Organizações e Sociologia das Profissões – encerra as preocupações à volta das necessidades de prestação de contas contínuas por parte das escolas, enquanto organizações com utilidade pública. Por isso, Albino Luciano Tavares Silva lembra que a auto-avaliação das escolas, quando completada com os contributos da avaliação externa, será extremamente importante para desenhar caminhos para a melhoria da qualidade da escola.

Neste livro, o autor trabalha um conjunto de questões, desde a tentativa de compreender os efeitos que as práticas da auto-avaliação proporcionam ao funcionamento das escolas, até ao entendimento dos actores do sistema educativo sobre a questão. De uma forma geral, o autor vai procurar encontrar o valor que a avaliação da escola – num entendimento mais restrito – e do próprio sistema educativo – ampliando a preocupação – tem na questão do desenvolvimento institucional. Tudo isso para caracterizar o sistema de auto-avaliação, percebendo a escolha dos critérios, os indicadores, os métodos de recolha de dados utilizados e a divulgação dos resultados.

Desta forma, Albino Luciano Tavares Silva vai tentar dar realce ao contributo da auto-avaliação das escolas para alcançar um objectivo maior, que passa por compreender as lógicas da organização das escolas e o seu funcionamento.

Albino Luciano Tavares Silva vai trabalhar, nesta obra, o processo de auto-avaliação da escola em múltiplas dimensões, socorrendo-se de vários contributos teóricos e fundamentando-se em estudos de natureza empírica. Dos estudos sobre o Efeito-Escola, o autor passa pela génese dos estudos sobre a Eficácia e Melhoria das Escolas, analisando também os movimentos de eficácia escolar, apresentando as razões da Avaliação das Escolas, estudando a dimensão europeia da avaliação das escolas, aportando-se nos projectos desenvolvidos em Portugal nesta matéria. Assim o autor contribui com um texto valioso, que pode abrir frentes de debates sobre a regulação do sistema educativo, rompendo preconceitos de que quem avalia (caso da escola) não pode ser avaliado e apontando caminhos para o desenvolvimento de sistemas de credibilização do ensino. O texto assume um carácter universal, servindo-se de suporte aos agentes educativos, pais, encarregados de educação, escolas e leigos porque a educação não deve ser propriedade de alguns, mas uma preocupação de todos.


Lisboa, aos 10 de Junho de 2010.

Silvino Lopes Évora
Doutorando e Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho. Licenciado em Jornalismo pela Universidade de Coimbra. Jornalista de formação, poeta por opção.

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