sexta-feira, novembro 04, 2011

Avaliação das Escolas em Cabo Verde: Uma Prioridade Prioritária (II)

Se soubermos que um obstáculo é intransponível, deixa de ser um obstáculo para se tornar um ponto de partida

Juzsef Eorvos




No artigo anterior, Avaliação das Escolas em Cabo Verde: uma prioridade prioritária (I), publicada no semanário Asemana, ano XX, edição nº 1000, Sexta-feira, 9 de Setembro de 2011, colocamos, de uma forma geral, o acento tónico no balizamento do conceito de avaliação das escolas e, de forma específica, nas suas vantagens para o desenvolvimento do país.

Na presente análise procuramos associar a cultura de avaliação ao estado de desenvolvimento dos países, à luz da performatividade das organizações, sem esquecer os desafios para Cabo Verde dado que nada acontece por mágica, mas sim fruto de longas e, por vezes, dolorosas caminhadas. Se não vejamos.

Avaliação das escolas é uma prática comum na maioria dos países desenvolvidos e a informação produzida tende a ser consumida de forma crítica por diferentes stakeholders tais como pais, alunos, municípios, oposição, governos, sociedade civil, centros de investigação e fazedores de políticas públicas em matéria da educação porque incrementa a participação na vida das escolas, gerando, deste modo, os equilíbrios necessários na prestação do serviço público.

A construção de uma cultura de avaliação foi consentânea como uma estratégia global de desenvolvimento de muitos países hoje considerados ricos. Nestes países decorrente das suas experiências de crise, a racionalidade económica, a contenção da dívida, a transparência e prestação de contas, o foco no cliente, a qualidade do serviço público, a eficácia e a eficiência são princípios basilares da construção macroeconómica que são, aliás, respeitados, sem segundas opções, pelas instituições e, por arrasto, pelos cidadãos. As escolas, nesses países são obviamente o espelho da sociedade e revêm-se nos princípios acima enunciados e atribuem uma centralidade acrescida à avaliação como instrumento de empoderamento e da implementação das políticas públicas.

Em contramão encontram-se muitos países, incluindo o nosso, que apesar da vontade expressa em serem desenvolvidos enfrentam auto-resistências na mudança de paradigma, ou seja, na passagem de países ditos pobres para Países de Rendimento Médio e/ou Ricos. A baixa produtividade, o fraco enfoque no cliente, a ausência de qualidade desejada na prestação de serviço público, a sub-representação da sociedade civil, a excessiva presença partidária aliada à desigualdade de oportunidades, à desvalorização do mérito e da justa recompensa tornam utópicas a implementação voluntária de princípios de transparência e da prestação regulares de contas nos diversos sectores do Estado e da sociedade civil.

Nestes países, pelas vicissitudes acima enumeradas, o caminho tende a ser longo porque regista-se incompreensivelmente, nalguns casos, a pressa ante o tempo e, noutros, a lentidão face à oportunidade, parafraseando o provérbio persa. Porém, Juzsef Eorvos considera que o obstáculo deve ser encarrado como ponto de partida…

Como o caminho faz-se caminhando e à medida das pernas do dono, sugerimos o investimento sério na capacidade de aprender a aprender com os outros e, sobretudo, de desaprender por conta própria, sem recurso às medidas de austeridade impostas por qualquer tróika.

A este respeito, o recurso à avaliação enquanto instrumento de aferição da qualidade exige a formulação de consciência pública sobre os benefícios da boa gestão e, difundir a ideia de que a desigualdade de oportunidades mesmo para quem, numa dada altura, esteja na mó de cima, one up, nunca é uma vitória (plena) mas, pelo contrário, sacrifícios penosos para a coesão social sobretudo para quem está na posição de vítima, ou seja, na mó de baixo, one down.

Aliado à noção da avaliação das escolas e das organizações educativas o estado de desenvolvimento dos países, como já foi referido, influencia a forma como a mesma é conduzida. Por exemplo, quando se nota a ausência de certas regras, princípios de dignidade humana e confiança na pessoa, a implementação desenquadrada de uma estratégia séria e contínua de melhoria tende a ser, quase sempre, um jogo de cartas marcadas ou, quiçá, de caça às bruxas.

O amadorismo, o desenrascanço e a demagogia servem a interesses distintos (a dita agenda secreta da avaliação) e, por isso, não devem estar associados ao processo de avaliação uma vez que a formulação de um juízo baseado em premissas incertas e uma tomada de decisão mal fundamentada produzem os mesmos danos que um cirurgião que executa mal uma cirurgia delicada. Para as vítimas (em caso ou não de morte), mesmo que a justiça funcione, os prejuízos são imensuráveis e, por vezes, irreparáveis.

Para um pequeno Estado insular e condenado a ser um bom aluno da comunidade internacional constitui um dever moral e de sustentabilidade estribarmo-nos nas melhores práticas de gestão, fazendo mais com o pouco que temos, para que os recursos escassos que possuímos sejam administrados com inteligência a fim de permitir às gerações futuras um pouco de chão. A crise internacional porque passa muitos países - e alguns com ligações históricas ao nosso burgo - deverá servir, senão para alertar-nos que os cofres do Estado não são rios caudalosos, ao menos, que cada gota ou centavo conta.

As escolas cabo-verdianas, apesar do quadro legal lhes possibilitem a ter uma gestão autónoma e com margens de sucesso, surpreendentemente apresentam problemas endógenos e exógenos explicados pelas lógicas de acções organizacionais. A este respeito ressalva o que Licínio Lima - investigador e crítico das centralidades periféricas – designa de autonomias por controlo remoto, onde apesar da propalada liberdade de acção, as decisões são tomadas (no centro), ou seja, fora das escolas e estas limitam-se, apenas, a cumprir ordens da tutela, continuando a serem periféricas apesar da autonomia decretada.

Consequentemente nota-se que as escolas apresentam problemas em terem uma agenda própria que sirva os interesses das comunidades onde se encontram inseridas. Falta-lhes neste sentido, mecanismo de gestão previsional (projectos educativos, projectos curriculares de escola e de turmas, orçamentos, etc.) e prestação de contas (relatórios de execução orçamental, avaliação e balancetes) e nada parece ser inocente… Bastas vezes, as escolas ou quem as dirige, retiram da sala de aula excelentes professores e os alunos e a comunidade educativa, em geral, ganham, em troca, gestores medíocres.

Deve-se, nossa opinião, mudar de paradigma, introduzindo no seio das escolas e da tutela a necessidade de termos gestores (entenda-se directores) profissionalizados (que podem ser professores), mas desde que devidamente treinados. Assim, cada um deve estar no sítio certo e no momento adequado: um médico deve estar com os utentes, os polícias na rua, os professores na sala de aula. Foi para o exercício dessas funções que foram treinadas e, muitas vezes, com recursos públicos. Sem prejuízo, todos devem ser chamados a contribuir para a boa gestão dos hospitais, das ruas, das salas de aula e das escolas … dando subsídios aos gestores que, depois, prestam as contas à sociedade.

Albino Luciano Silva

Mestre em Educação, especialidade Administração e Organização Escolar e autor do livro Auto-Avaliação da Escola e Desenvolvimento Institucional
Blog: http://www.edukamedia.blogspot.com/


Artigo publicado no BI-Semanário ASEMANA, 22 de Novembro de 2011, Ano XXI, nº 1002, p.26.

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