domingo, janeiro 20, 2008

Quando Penso em Ti…

Estou sentado dentro de um carro com os olhos postos no futuro. À minha frente, através do vidro, contemplo a ponte vermelha a centenas de metros de distância – com muita luz, inúmeros veículos a cruzarem as margens numa deambulação quase paranóica. Debaixo da ponte, pequenos veleiros e grandes barcos andam vagarosamente como quem perdeu a pressa de chegar ao destino. A poucos metros do carro, sinto e vejo o quebrar intempestivo das ondas nas praias que durante verão fazem furor, provocando enchentes espectaculares. Dentro de mim, toca André Sardet: quando te falei em amor. Por isso, mudei os ângulos do meu olhar – perdi o longo alcance – e procurei mirar no meu íntimo, a resposta à multiplicidade de emoções que ocorrem só de saber que ainda vives dentro de mim.
Faço marcha trás e mergulho, sem hesitação, no quilómetro MMI. Nesta baliza da auto-estrada do meu viajar, as andanças nocturnas por vicissitudes da vida; o sentir do cheiro do perfume exalada pelas plantas às altas horas da madrugada; e a beleza entrelaçada pelas palavras que se ouvem no silêncio dos nossos sonhos, fazem me sentir mais eu; e nós mais próximos. O chegar tarde à casa e sentir o gosto de uma amizade demonstrada na lisura dos cereais mergulhados numa tigela de leite bem quente que aquece a alma, ao mesmo tempo que me devolve a força para alterar o ciclo natural do dia, faz-me viajar na curva do tempo à procura da alma que ficou nessa oferta – e que eu, silenciosamente, adorava. Isso compromete-me! Assim, deixei de ver a ponte da liberdade, mandei pôr o ferro no fundo e caminhei, cambaleando taciturno entre olhares apressados, zonas despidas de movimento e assentei no primeiro sítio que calhou para tomar um copo – uma desculpa para refrescar a alma e matar a sede de uma viajante!
Desta vez, por cima de mim, passavam muitos carros apressados; ao meu lado, barcos de recreio e de sonho repousavam pacientemente à espera de utilização; a brisa fresca do rio acompanhava o movimento certeiro e convicto do copo à procura dos lábios ressequidos. Tiro o primeiro gole e sinto uma sensação estranha! Um gosto diferente… de algo que já experimentei e de cuja memória tenho, simplesmente, o eco – disse para mim mesmo, num monólogo rápido e preocupado. Assim, pus-me a devagar sobre a química do precioso e estranho líquido. Demorei eternos minutos a estabelecer ligações, sob olhares furtivos, sons meio ensurdecedores, mas que dava ao ambiente um semblante nocturno, boémio e poético.
Levei, uma vez mais, o copo à boca e num acto suave e de rápida degustação, encontrei a ansiada resposta. A bebida, em si, é normal; estranho é o remake que faz do passado ao trazer para o brilho da noite, o gosto misterioso de um beijo trocado num dos quilómetros da auto-estrada, provavelmente depois de experimentar o primeiro cálice [da bebida em causa], na cidade de ruas tortas e toscas, onde o Mondego irradia a magia na sua passagem apressada a caminho da foz - levando com ele a saudade.

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