domingo, março 02, 2008

Cândida Lembrança

Entre a saudade de uma noite e o acordar aconchegado num dia friorento, prefiro a imagem tenra da companhia altiva, meiga, de geometria perfeita e cabelo maltratado pela água clorificada das torneiras. Ante a vontade de levantar para iniciar o novo dia e aproveitar-se da moleza do corpo alimentado pela sensualidade da pele que se rejuvenesce a cada toque, escolhi esta última tentação…
Levantar-se da cama a determinadas alturas do ano é um martírio, uma fatalidade que a responsabilidade nos obriga e que o sentimento, por vezes, opõe com determinação. Hoje, ocorreu-me a memória da sombra desses dias, num relâmpago sôfrego e espectacular em que o gélido me obriga a esmerar no aconchego. Ou seja, na cobertura, na pele macia dos seios redondos que tocam e marcam as costelas que Adão um dia emprestara à Eva (e a todas as mulheres).
Foi difícil pisar o novo dia. O motivo, o leitor advinha qual terá sido. Sonhei! Sonhei com o Inverno e com as memórias que esta estação do ano me traz. Ainda, assim, fiz um esforço brutal para o evitar; o mesmo que um ladrão faz quando olha para um objecto apetitoso. Foi só fachada: continuei na cama! Na verdade, estava cansado de uma viagem. Saudosa viagem! Por isso, como desculpa embarquei, novamente, na recordação analítica dos momentos que o deleite e a ociosidade proporcionam…
Cumprido oito horas de sono, mais oito minutos de bónus, pulei da cama e fiz setenta flexões de braços para ganhar coragem e prostrar-me debaixo do chuveiro e tomar um duche com água fria. Uma solução mágica para os dias que prenunciam preguiça. Com a água fria e escorrer-me pelo corpo, uma sensação de alívio percorre o cérebro e a alma e me fez dar razão a quem elege o verão como a estação preferida. Tomar banho com água fria, no Inverno, é uma solução mortífera e de baixo custo. No verão, a cantiga é outra... Em contraste, no Inverno elas aquecem-nos a alma, enquanto deliciamos a frescura das maçãs escondidas nas florestas perdidas do Éden. Neste dia, refugiei-me nas cândidas lembranças – uma fuga tentadora para esquecer a calosidade dos dias…

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