segunda-feira, abril 24, 2006

Sonhos Negros

Numa conversa de café, um amigo vira-se para mim e pergunta-me, num tom meio preocupado, qual é o futuro das crianças e jovens africanos nascidos em Portugal? Antes de o responder, pensei no método socrático e, depois, interroguei-lhe, como se ele fosse um especialista, o que é que lhe parece?
Na verdade, para responder a esta questão, aparentemente, filosófica e cartomántica nem é preciso ir à faculdade ou abrir os manuais da especialidade, basta ver o que se passa no quotidiano. A presença dos negros nas terras de Camões, remonta, praticamente, à travessia do Cabo Bojador (ou das tormentas como ficou celebrizado) no século XV, onde como prova do feito, foi trazido, à força, para Lisboa, cerca de oito negros. De então para cá, conhecemos toda a história da expansão e com ela a escravatura e, mais recentemente, a emigração à procura do sonho, duma vida melhor.
Ao abono da verdade que se diga, a representação que os portugueses construíram dos africanos, pouco mudou em relação ao período esclavagista. Estes são vistos como um ser, ou melhor, como um animal que nasceu para trabalhar, sobretudo, nas obras – abrindo estradas e construindo pontes para o futuro. Ao nível da escola, nunca acreditam que um negro, também pode, tal como eles, ocupar com as coisas do intelecto. Os “africanos” nascidos neste país, poucas possibilidades de sucesso terão, uma vez que as barreiras são tão fortes que, muitas vezes, os obriga a ter bom senso e a desistirem, ingressando, em certos casos, “por maus caminhos”, reforçando, assim, ainda mais, a sua representação social, bastante negativa.
A opinião do meu interlocutor foi de que basta ligar a televisão, ouvir os professores, falar com a policia, analisar as políticas de ou para a emigração, sair à rua, ir à uma entrevista de emprego, ir a um bairro dito “degradado”, ouvir os empregadores para perceber quão negra é a esperança de uma criança e de um jovem para a sobrevivência numa sociedade onde são estigmatizados por causa da cor e da sua herança genética. Muitos pseudo críticos, dizem que o racismo não existe; que preto ou branco, somos todos iguais e que, inclusivé, os primeiros escravos até foram brancos, mas a verdade é que a vida dos africanos piorou com a travessia do “cabo das tormentas” e, ainda hoje, sofremos com esse tormento.
O sonho dos filhos dos imigrantes num país que os reconheça como cidadãos de segunda, deixa-lhes poucas margens para progredirem rumo ao sucesso, dado que os nega um princípio tão básico, como, por exemplo, o direito a serem pessoas. Apesar deste quadro sombrio, diz o poeta que o sonho [ainda que negro] comanda a vida [ou melhor, a sobrevivência].

Etiquetas:

5 Comments:

At quinta-feira, 18 maio, 2006, Blogger efvilha said...

Olá!
Exemplar reflexão!
Se aí em Portugal a questão racial é assim preocupante, imegine aqui no Brasil, onde há, "vergonhosamente" guetos negros, e fazemos de conta que não existe! No último dia 13, aqui é data comemorativa da assinatura da lei que aboliu a escravidão, no século IX. Mas, vendo criticamente, ainda vemos que os negros estão no pior trecho da travessia do "cabo das tormentas".
Estas, todo tipo de "tormentas" sociais.
Cordiais saudações, você, e aos teus amigos.
http://sonetosesonatas.blogspot.com
Evaristo

 
At sexta-feira, 02 junho, 2006, Blogger Albino Luciano Tavares Silva said...

Sr. Evaristo, Gostei muito do seu comentário e peço desculpa de não o ter felicitado antes. Estive ausente do blog por razões alheias á minha vontade. Em relação ao texto em causa, reafirmo que em Portugal é um tema meio tabu. No entanto, no Brazil há muita coisa escrita sobre esse tema. Continue a visitar o meu blog.

 
At sexta-feira, 09 junho, 2006, Anonymous Anónimo said...

Muito bem, meu caro. A realidade dura e crua da discriminação é essa mesmo. No entanto, "VIVA O SONHO" [ainda que seja negro].

 
At segunda-feira, 19 junho, 2006, Anonymous Anónimo said...

É digno de reflexão o tema que abordas e infelizmente é uma realidade cada vez mais presente em Portugal e não só. Contudo sou da opinião que uma libertação intelectual e psicológica da parte da Comunidade Africana, será definitivamente a melhor arma contra toda a opressão e discriminação da sociedade e também de todos os orgãos sociais. Existe de facto um longo caminho pela frente, mas não deverá nunca ser abandonada a luta pelo direito á igualdade. O racismo na mente dos brancos, está muitas vezes associado á sua mente pouco aberta e mesmo pouco evoluída, causando assim um desconhecimento total da realidade deste mundo "supostamente globalizado". Nunca desistir, mesmo com a existência de todos as barreiras, pois é disso mesmo que as mentes aliadas á Xenofobia estão á espera.
JMR

 
At quarta-feira, 21 junho, 2006, Blogger Albino Luciano Tavares Silva said...

JMR fica registado o seu conselho. A resignação não constitui seguramente a melhor forma de lutarmos contra as desigualdades neste mundo, supostamente, globalizado.Temos que lutar e saborear as pequenas vitórias diárias.
Muito obrigado e continue a visitar este espaço.

 

Enviar um comentário

<< Home