terça-feira, abril 11, 2006

A Gravidez Precoce na Escola Cabo-verdiana: sob um olhar pedagógico

Ontem estive a ler um livro sobre o ensino básico em Portugal que aponta o fecho das escolas rurais ou isoladas como um dos problemas do sistema educativo, a par de outros. Até aqui, nada de novo. De repente, ligo o televisor e vejo a passar na RTP África uma campanha de sensibilização sobre os cuidados materno-infantis, mais concretamente, a prevenção da gravidez (em Cabo Verde). O meu espanto foi o seguinte: enquanto em Portugal um dos grandes problemas do sistema educativo, sobretudo, no ensino básico é (re) organização da oferta educativa devido à diminuição de alunos, em Cabo Verde, o problema é de natureza inversa: é necessário organizar a rede escolar devido ao excesso da procura.

A taxa de escolarização em Cabo Verde, segundo dados das Nações Unidas e do Governo cabo-verdiano, é superior a 70%. Esta taxa para ser mantida exige do Estado um esforço financeiro considerável dado que o crescimento desmesurado da população obriga a construção regular de novos equipamentos pedagógicos. Este crescimento, levanta, como se deve depreender, problemas ao nível da qualidade da oferta educativa, sendo este um assunto que, pela sua natureza e problemática exige uma posterior reflexão.

Neste momento, importa analisar a questão da elevada percentagem de alunas que engravidam em idade escolar, sobretudo, no ensino secundário. O problema é agudo e a sua resolução complexa. O Ministério da Educação, ciente da relação entre a gravidez precoce e o abandono escolar, entendeu permitir às alunas o direito de anularem temporariamente a matrícula.

A solução acima referida constitui, por um lado, uma forma ligeira de minimizar os danos (“evitar o mau exemplo”) e, por outro, parece estar ferida de constitucionalidade. Todavia, voltando à campanha que está, neste momento, a passar no canal que fiz referência no início do presente texto, importa salientar que, a grosso modo, o seu efeito positivo, depende de uma abordagem sistémica ao problema em análise, algo que nem sempre é privilegiada pelas autoridades. Por outras palavras, convêm salientar que se afigura, na minha opinião, vantajoso haver dentro das escolas gabinetes de aconselhamento aos alunos (de ambos os sexos); que as direcções das turmas desenvolvam estratégias sensibilização e prevenção da maternidade precoce; que as equipas da saúde reprodutiva visitem, regularmente, as escolas onde poderão complementar a mensagem que está a ser passada na televisão e, sobretudo, envolver os pais e encarregados de educação nesta árdua tarefa. Enfim, é preciso educar diferentes gerações para um problema cuja tragédia é comum.

O envolvimento dos pais e encarregados de educação nas actividades escolares (dos filhos e/ou educandos) tem motivado muitos estudos. Na família, o papel dos mesmos é fortemente datado na literatura, sobretudo americana. Todavia, regista-se na sociedade cabo-verdiana um certo afastamento dos pais no apoio e/ ou acompanhamento emocional dos filhos. Esta situação acontece por falta de informação, diz uns e, por questões de "educação", dizem outros. Todavia, o termo educação deve ser aqui entendido no sentido lato: tem a ver com o processo de socialização que estes pais foram sujeitos pelos seus progenitores que, também foram omissos em lidar com a emoção dos filhos, educando-os muitas vezes à base de uma certa frieza e contenção emocional. Neste sentido, falar de sexualidade e das diferentes formas de a expressar, constitui uma tarefa espinhosa para a uma percentagem significativa de pais cabo-verdianos.

O aumento significativo da taxa de raparigas que têm filhos em idades críticas, obriga-nos, de certa forma, a pensar nas estratégias de formação de pais. Podemos começar pelos jovens pais e pelos futuros pais. Face à força das estatísticas produzidas nesta área importa começarmos a fazer algo no sentido de contrariar a tendência crescente da gravidez não desejada e gravidez planeada mas não desejada.

O número de raparigas adolescentes, em idade escolar que já são mães ou que para lá caminham constitui um fenómeno triste e visível a olho nú para quem vive ou se interessa pelo desenvolvimento do "país de pedras, poetas" [e músicos], segundo as palavras carinhosas do poeta cabo-verdiano, Jorge Barbosa.

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