ÂNCORAS (IN) SEGURAS
O país foi convidado
recentemente a assistir, na Assembleia Nacional, o discurso de Carlos Lopes sobre
“Mudança das Mentalidades: desafios para um país insular em face das tendências
globais”, no quadro do II Fórum Nacional de Transformação Cabo Verde 2030, que
ocorreu de 14 a 16 de Maio, na cidade da Praia. Longe de querer chover no
molhado, propomos, com o presente contributo, refletir sobre três dimensões,
para nós, urgente de rotura na sociedade cabo-verdiana.
Como cidadão, movido
pela curiosidade intelectual, estive no meio de uma plateia atenta e
interessada que, no final, aplaudiu de pé o orador. As palavras utilizadas foram
claras, sem arrogância e profundas ao pedir para mudarmos, a diversos níveis, e
refundar âncoras a fim de preservar os inúmeros ganhos alcançados pelo país. Do
conteúdo da exposição à forma de abordagem ficou nítido que estivemos perante
uma individualidade de inteligência ímpar, modesta e de fino trato. O que transmitiu
foi forte, inesperado e eficaz: agitou consciências e deixou em estado de ebulição
a cabeça do nosso governante, segundo declarações prestada à TCV.
Diagnóstico de Agente Autorizado
O diagnóstico de
mecânico feito ao nosso “modus vivendi” releva sinais de preocupação, tais
como: custos elevados da democracia representativa; ancoragem excessiva ao
velho continente; índices elevados da dívida pública; lentidão na tomada de
decisão; e, também, quanto a nós, prioridade e qualidade discutíveis de certos investimentos
públicos.
Com efeito, a “pedrada
no charco” dado por Carlos Lopes, Secretario Executivo da Comissão das Nações
Unidas para África, ao enumerar os fatores fraturantes e caminhos possíveis para
Cabo-Verde não é senão a verbalização, por uma distinta figura, de inquietações
proferidas em círculos restritos e cantinho dos “Mídia” por certos cidadãos cuja
voz tende a ser distraída por fogos-de-artifício.
As exortações de Carlos
Lopes podem conter julgamentos pessoais, mas estão providas de conselhos
generosos para um país candidato assumido a ser rico, segundo “alguns idealistas”,
já em 2030. Neste sentido, se a nossa riqueza está no capital humano, importa,
então, que não se procure desconstruir o discurso do convidado com o fito único
de o apanhar em contradição, mas, pelo contrário, aprofundar o essencial sem amaras,
com humilde e ecletismo. Para este efeito, precisamos modificar a nossa forma
de pensar, agir e de estar com os outros:
Pensar Glocalmente
Se pensamos mudar o
nosso país, o caminho mais penoso e sustentável começa por nós próprios e, depois,
pelo nosso bairro. O pensamento gera atitude que, por sua vez, explica o comportamento.
Deste modo, para alterar atitudes e comportamentos deve-se, em primeiro lugar, pensar
de forma diferente.
Dentro e fora de portas
cogitamos – por bazófia ou perceção distorcida - ser melhor (sucedidos) entre
os Países Africanos de Língua Portuguesa, mais Timor e destacado, por vezes, à
frente de certos gigantes em termos do Índice do Desenvolvimento Humano em
África. Estas verdades (por vezes estatísticas) ou vitórias (de conforto moral)
possuem, na prática, um sabor agridoce: poucos sabem da nossa existência e, ao tomarem
conhecimento das nossas coordenadas, apressadamente relativizam os dados - e de
bestiais, passamos a ser, simplesmente, um caso à parte.
A mudança de
mentalidade torna-se, por esta razão, premente uma vez que, pela nossa pequenez
e natural isolamento, sem expurgar o que nos prejudica na ancoragem sucedida em
África (defendida por Carlos Lopes como caminho a seguir) e noutras paragens (caso
da Europa como tem sido a prática), qualquer sucesso, ainda que diminuto,
acarreta elevados custos de transação.
Pensar e Agir (rápido e
com prudência) podem ser, neste vértice do triângulo, o nosso passo seguinte. Temos
um sistema de educação e saúde bastante enraizados e com resultados internacionalmente
elogiados, a par, também, de um nicho recente de excelência no sector da
modernização do Estado por via das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC) que, encarados de forma integrada, como vantagens comparativas, poder-nos-ão
ser úteis na relação com certos países cujas estruturas, por motivos vários,
estão em (re) construção face às dinâmicas dos novos tempos.
Trocar a Navegação à Vista por GPS
Os nossos ciclos
eleitorais sobrepõem-se a qualquer planificação o que torna, a grosso modo, as medidas
de política e a democracia cabo-verdiana “competitivas” e nada cooperativas –
sem consensos alargados. Esta realidade deixa a nu que a navegação faz-se à
vista das urnas com âncoras atracadas nos portos de Apoio Orçamental Direto
(AOD) e nas Agências de Empréstimos Concessionais (AEC).
Esta situação coloca o país
na lista dos mais dependentes do AOD o que, por sua vez, dá razão tanto ao
governo quanto à oposição sobre a necessidade de haver investimentos inteligentes
capazes de gerar riqueza e/ou valor acrescentado ao país. Caso contrário,
diminuindo as ajudas, como tem sido a tendência, e fechada a torneira dos
empréstimos a baixo custo – fruto da nossa graduação a País de Rendimento Médio
-, ressuscitar-nos-emos fantasmas ainda presentes na memória de muitos anciões:
não ter o pão para a mesa.
Perante este cenário
inseguro, atracado aos encargos elevados do serviço da dívida, à suspensão (ou
retirada) temporária (ou definitiva) de certos países doadores e discurso
inquietante do Grupo de Apoio Orçamental (GAO), as nossas fraquezas devem ser, urgentemente,
transformadas em força. Defendemos maior contenção orçamental que passa tanto pela
coragem política de extinguir quanto fundir municípios insustentáveis, reduzir
o número de sujeitos parlamentares, agrupar ministérios, repensar serviços,
institutos e braços do Estado, rentabilizar embaixadas e serviços consulares; e
adoção de estratégias de crescimento da economia com ancoragens múltiplas. Enfim,
fechar, nem que seja por horas, o país para um balanço geral com todos: oposição,
situação e cidadão comum.
Com efeito, Cabo Verde
(insular) será, em parte, o que conseguir ser a sua diáspora que, munido de
espírito de missão, pode desbravar caminhos, construindo pontes hoje considerados
utópicos e, quem sabe, possíveis amanhã. Veja-se, por exemplo, o contributo recente
dado aos “Tubarões Azuis” na projeção da nossa bandeira. Assim, pensamos que seja
sensato incentivar a diáspora com políticas ativas para que possam, aos poucos,
ter maior capacidade de influência política e económica nos países de
acolhimento. Este caminho passa, indiscutivelmente, pelo incremento das suas espectativa
em relação à educação e formação profissional nas áreas e sectores capazes de os
tornar profissionais e empresários respeitados.
Saber Estar com os Outros
Por razões
historicamente comprovadas, o povo cabo-verdiano tem na sua génese
características que dificultam a sua comparação com países que, aquando dos
descobrimentos, possuíam populações autóctones. O nosso “nível de instrução” e a
posição geostratégica do país explicam, em grande parte, porque fomos utilizados
na administração indireta das ex-colónias. Os males deste drama estão ainda por
cicatrizar e, prova disso, tende a ser a forma como olhamos para os nossos
vizinhos, não raras vezes, de cima para baixo e eles, a nós, com certa apreensão
e desconfiança.
O ciclo de crescimento
dos países tende a ser coerente. Durante décadas fomos praticamente um país de
emigrantes (quer para Norte quer para Sul), fugindo do espectro da fome, e hoje,
graças às circunstâncias favoráveis, somos recetores de sonhadores com a paz,
estabilidade e traficância.
Importa sublinhar que recebemos,
sobretudo da nossa sub-região, imigrantes desqualificados para operar nos setores
descobertos pela nossa emigração que, de resto, preferiu ir ganhar, fora do
país, mais dinheiro por igual tipo de trabalho. São os casos de pedreiros, serventes,
empregadas domésticas, etc. Por isso, devemos estar conscientes desta nova e
inevitável realidade, garantindo condições de integração aos que nos procuram e
que, dentro do respeito escrupuloso das nossas leis e costumes, ajudam o país a
criar riqueza.
Reajustar as Âncoras para o Futuro
A mudança é uma
constante da vida e implica sempre oportunidades e riscos, mas valerá mais a pena
quando o foco centra-se na melhoria. A luta por um país mais próspero e com
oportunidades para todos deve ser a ambição legítima de todos os cabo-verdianos
com sentido de Estado. Para transformar a intenção em ação, o convite passa por
desembaraçarmo-nos das fracturâncias enquanto condição primária para termos uma
agenda que nos permita criar riqueza e negociar, de forma transparente, com
instituições e países na base de benefícios mútuos. Acontecimentos como o 11 de
Setembro de 2001, a crise recente das dívidas soberanas e o escrutínio atento e
exigente dos contribuintes abrigam-nos a ter os pés em terra firme com a noção
clara dos riscos. A imprevisibilidade económica, nos tempos que correm, exige que
as âncoras estejam seguras no bom senso e nos interesses estratégicos.
Etiquetas: Opinião nos Media
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