quarta-feira, outubro 03, 2012

Novo Ano Lectivo e Velhos Desafios


Ninguém fica indiferente ao arranque do novo ano lectivo, dado que constitui um processo ritualizado, cujo preparo demora meses, para ser agora avaliado por todos, consoante o grau de conhecimento e responsabilidade de cada um mormente quanto às novidades introduzidas e às promessas feitas, sem esquecer as omissões. 

Neste olhar sobre o lectivo 2012/2013, propomos reflectir, de forma breve, sobre as angústias e novidades e de forma mais incisiva nas sugestões para atenuar os efeitos, quanto a nós, negativos dos anos lectivos precedentes no que tange à administração e gestão do sistema e, por fim, elencar algumas medidas omissas cujo atraso gera custos elevados de transacção ao subsistema do ensino básico e secundário.

O arranque do novo ano lectivo revela um misto de angústia e de novidade para os alunos, pais e professores. Pois, as escolas, particularmente as salas de aulas são, para muitos alunos e professores, um calvário que deve merecer dos investigadores e das autoridades uma averiguação profunda dado que a desmotivação é reinante, palpável e merecedora de um diagnóstico justo e de um tratamento adequado. Pois, os níveis de insucesso não deixam dúvidas. Ademais, a angústia perpassa também os pais no renovar dos investimentos nos materiais didácticos e transportes escolares sempre onerosos, na diminuição das expectativas de retorno da escola bem como no percurso dos alunos casa-escola, escola-casa que, nos tempos actuais, tem sido um factor a ter em conta devido à onda de insegurança que aflige a todos... do campo à cidade.

No que concerne às novidades, há sempre uma expectativa sobre os novos correctivos introduzidos no sistema como, por exemplo, os novos manuais, o alargamento da escolaridade obrigatória, entre outros. Contudo, as reformas anunciadas e programadas, na sua construção, nem sempre foram pilotadas de forma a evitar críticas fundamentadas e/ou para acolher todos os subsídios necessários à sua materialização com sucesso neste ano lectivo. Como efeito, a experiência internamente nos ensina que há sempre uma dose de arrogância que cega os processos de reforma e contamina os resultados finais devido à falha consciente ou inconsciente de comunicação e de poder de encaixe. Todavia, no decorrer do ano lectivo certamente irão ser feitas adaptações, por forma a suplantar algumas decisões, porventura, erradas dado que nem tudo o que é decretado em termos curriculares é cumprido, na íntegra: há uma distância entre o que é decretado pelo curriculista, cumprido pelo professor e aprendido pelo aluno.

Propostas para uma Liderança Efectiva e Afectiva na Gestão da Educação

Na qualidade de cidadão atento e com uma visão distanciada e comprometida, por defeito de formação, apraz-nos compartilhar algumas medidas que pela sua simplicidade e baixo custo poderiam ser aproveitadas para induzir, do ponto de vista da liderança e da ética, inputs importantes para a melhoria do nosso sistema educativo, corrigindo eventuais desacertos:

1. É desejável neste novo ano lectivo uma presença mais assídua da titular da pasta da educação nas escolas, pois, tem sido visível a ausência desta autoridade no terreno e as consequências são notórias quer na parte visível quer na parte submersa do iceberg;

2. Garantia de que a gestão da escola, apesar dos múltiplos constrangimentos, seja feita com maior rigor e que, por exemplo, os directores (e seus acólitos) sejam motivados e escolhidos entre os professores mais idóneos, ou seja, que reúnem, de entre outras qualidades, a liderança (baseada na autoridade e não no poder). Enfim, que tenhamos as pessoas certas nos lugares adequados e ajudadas pelo poder central, sobretudo em termos de satisfação das necessidades formativas em administração escolar;

3. É desejável que a Inspecção-Geral da Educação saia da hibernação em que tem vivido nestes últimos anos, sem prejuízo de vir ou não a ser aplacada pela “super-estrutura” já anunciada pelo governo. Sem a inspecção, as escolas ficam, cada vez mais, entregues à sua sorte e menos prestadoras de contas aos utentes e clientes. Ademais, a inspecção deve ter uma agenda pública e regular de avaliação externa do desempenho das estruturas educativas por forma a ajudar, por um lado, as escolas com baixo desempenho e, por outro, motivar as com bom desempenho;

4. Os delegados são, sobretudo fora do concelho da Praia, a primeira porta a que os cidadãos batem quando necessitam de apelar ao governo central e à Ministra da Educação, em particular, em matéria da educação e, por essa razão, jogam um papel de extrema importância: no mitigar das distâncias entre o centro e as periferias. Neste sentido, a escolha dos mesmos deve ser uma responsabilidade suprema da titular da pasta da Educação (e tratada como assunto de Estado) pela triangulando cuidada dos candidatos locais. Seria de grande valia termos nas diferentes delegações, representes à altura do membro de governo responsável pela área da educação, ou seja, pessoas capazes e admiradas pela sua competência técnica, visão integrada da educação no desenvolvimento local a par de um relacionamento proveitoso com os diversos stakeholders;

5. O Ministério da Educação tem, grosso modo, grande responsabilidade na educação (formal) dos cabo-verdianos e deve ser uma pessoa de bem. Por esta razão deve ter, por exemplo, tolerância zero nos casos de pedofilia, assédio e de outras promiscuidades que, de forma clara ou encoberta, minam o submundo das escolas, sobretudo, as do ensino secundário. A Ministra deve estar munida de olhos (leia-se directores) e ouvidos (compreende-se delegados) confiáveis e prontos a agir, em uníssono, no sentido de levar os casos até às últimas consequências;

6. Criação de uma agenda para que as escolas sejam capazes de reflectir sobre as suas práticas com verdade e instruírem processos objectivos e/ou comprometidos de melhoria. O devir é importante, do ponto de vista da axiologia educativa e as escolas precisam de ter uma visão sobre o seu futuro, sobretudo nos tempos actuais de grande incerteza.

Janelas de Oportunidades por Aproveitar

Baseada na concepção filosófica heraclitiana - de que é impossível banhar-se duas vezes nas águas de um rio - importa, assim, referir que cada ano lectivo comporta algo de único e irrepetível. Porém, a ambição deve ser que cada ano supere, positivamente, o anterior. Facto que, infelizmente, nem sempre acontece, pois, há problemas que se arrastam, gerando custos elevados de transacção. Apresentamos, de seguida, alguns exemplos:
• ausência de uma agenda séria e comprometida de formação contínua dos professores do básico e secundário. Os saberes tornam-se hoje facilmente obsoletos e há necessidade de uma aprendizagem contínua para melhorar o processo de ensino/aprendizagem;
• pouca abertura para outros profissionais administrarem, mediante projectos credíveis, as escolas públicas baseados nos princípios do Estado Avaliador, dado que, muitas vezes, perde-se um bom professor e ganha-se um gestor sofrível;
• atraso na reclassificação dos professores que fizeram a formação por conta própria, o que comporta injustiça e eleva a falta de motivação da classe docente;
• resistência na renovação dos serviços centrais do Ministério da Educação e na revisão do sistema de contratação que permitisse a entrada, em justas condições, de técnicos de outras áreas para militarem, por gosto, no Ministério sem serem professores ou pseudoprofessores, cativando assim bons quadros que trouxessem outras dinâmicas e olhares;
• pouco estimulo à participação e, sobretudo, ao envolvimento activo dos pais e encarregados de educação na vida escolar dos filhos e educandos. Ao invés, tendem a ser, nalguns casos, substituídos por instituições de cariz social;
• apatia na reintrodução da Secretaria de Estado da Educação que muito podia imprimir dinâmica ao Ministério da Educação, dado o seu papel charneira no desenvolvimento do país, entre outras.
Em jeito de apelo e conclusão, desejamos aos alunos novatos/caloiros e experimentados, votos de um bom ano e que a entrada seja triunfal na escola e, sobretudo, nas salas de aulas: que estudem com bravura para darem ânimo aos professores e para receberem, em troca, mais e melhores habilidades para a vida. Ao Ministério da Educação e as suas lideranças, por seu lado acreditamos, como dizia o outro, que devem ter ciência suficiente e [humidade necessária] para aceitarem e/ou para rejeitarem as propostas ora apresentadas, sendo certo que as lógicas que emergem das decisões políticas nem sempre bebem correctamente na investigação, no conselho de especialistas idóneos e no bom senso. 

*Licenciado em Ciências da Educação e Mestre em Educação, na especialidade de Administração e Organização Escolar.

Publicado no Bissemanário Asemana,  edição impressa, Sexta-feira,  28 de Setembro de 2012, Ano XXII, Nº 1064, pag.18, ponto de vista,   e na  edição Online no dia 03 de Outubro de 2012 (opinião).

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