Novo ano Lectivo e Velhos Desafios
Ninguém
fica indiferente ao arranque do novo ano lectivo dado que constitui um processo
ritualizado cujo preparo demorou meses e, neste momento, é escrutinado por
todos no que tange às novidades introduzidas, às promessas feitas e às omissões
verificadas nos discursos da titular da pasta da educação.
Neste
olhar sobre o lectivo 2012/2013 propomos reflectir, por um lado, de forma breve,
sobre as angústias e as novidades constatadas e, por outro, de forma mais incisiva
nas sugestões para atenuar as falhas na administração e gestão do sistema
escolar e, por fim, elencar algumas omissões (medidas não contempladas para o
presente ano) cujo atraso na implementação gera e tem gerado custos elevados de
transacção aos subsistemas do ensino básico e secundário.
O
arranque do novo ano lectivo revela um misto de angústia e de novidade para os
alunos, pais e professores. Pois, as escolas, particularmente as salas de aulas
são, para muitos alunos e professores, um calvário que deve merecer dos
investigadores e das autoridades uma averiguação profunda dado que a
desmotivação é reinante, palpável e merecedora de um diagnóstico justo e de um
tratamento adequado. Pois, os níveis de insucesso não deixam dúvidas. Ademais,
a angústia perpassa também os pais no renovar dos investimentos nos materiais
didácticos e transportes escolares sempre onerosos, na diminuição das
expectativas de retorno da escola bem como no percurso dos alunos casa-escola,
escola-casa que, nos tempos actuais, tem sido um factor a ter em conta devido à
onda de insegurança que aflige a todos… do campo à cidade.
No
que concerne às novidades, há sempre uma expectativa sobre os novos correctivos
introduzidos no sistema como, por exemplo, os novos manuais, o alargamento da
escolaridade obrigatória, a revisão curricular, entre outros. Contudo, as
reformas anunciadas e programadas, na sua construção, nem sempre foram
pilotadas de forma a evitar críticas fundamentadas e/ou para acolher todos os
subsídios necessários a sua materialização bem-sucedida neste ano lectivo. Como
efeito, a experiência internamente nos ensina que há sempre uma dose de
arrogância que cega os processos reformatórios e contaminam os resultados
finais devido a falha consciente ou inconsciente na comunicação e no poder de
encaixe dos responsáveis dos projectos.
Todavia,
no decorrer do ano lectivo certamente irão ser feitas adaptações por forma a
suplantar algumas decisões, porventura, erradas dado que, por exemplo, nem tudo
o que é decretado em termos curriculares é cumprido na íntegra. Pois, há uma
distância entre o que é decretado pelo curriculista, cumprido pelo professor e aprendido
pelo aluno.
Propostas
de pista para uma Liderança Efectiva e Afectiva na Gestão da Educação
Na qualidade de cidadão atento e com uma
visão distanciada e comprometida, apraz-nos compartilhar algumas medidas que
pela sua simplicidade e baixo custo poderiam ser agora aproveitadas para
induzir, do ponto de vista da liderança e da ética inputs importantes para a
melhoria do nosso sistema educativo, corrigindo eventuais desacertos ocorridos
nos anos anteriores:
1.
Seria desejável neste novo ano lectivo uma presença mais assídua da titular da
pasta da educação nas escolas. Pois, tem sido visível a ausência desta
autoridade no terreno e as consequências são notórias quer na parte visível (nº
de visitas efectuadas) quer na parte submersa do iceberg (na percepção que a comunidade
educativa tem da ministra);
2.
Garantia de que a gestão da escola, apesar dos múltiplos constrangimentos, seja
feita com maior rigor e que, por exemplo, os directores (e seus acólitos) sejam
motivados e escolhidos entre os professores mais idóneos, ou seja, que reúnem,
de entre outras qualidades, a liderança (baseada na autoridade e não no poder).
Enfim, que tenhamos as pessoas certas nos lugares adequados e ajudadas pelo
poder central, sobretudo, em termos de satisfação das necessidades formativas
em administração escolar;
3.
Seria desejável que a Inspecção-Geral da Educação saia da hibernação a que tem
vivido nestes últimos anos, sem prejuízo de vir a ser ou não aplacada pela “super’’
estrutura já anunciada pelo governo. Sem a inspecção, as escolas ficam, cada
vez mais, entregues à sua sorte – visível, nalguns casos, na desorganização e
degradação física e moral - e menos prestadoras de contas aos utentes e
clientes. Ademais, a inspecção deve ter uma agenda pública e regular de
avaliação externa do desempenho das estruturas educativas por forma a ajudar,
por um lado, as escolas com baixo desempenho e, por outro, motivar as com bom
desempenho;
4.
Os delegados do Ministério da Educação são, sobretudo fora do concelho da Praia,
a primeira porta a que os cidadãos batem quando necessitam apelar o governo
central e à Ministra da Educação, em particular, em matéria da educação e, por
essa razão jogam um papel de extrema importância: no mitigar das distâncias
entre o centro e as periferias. Neste sentido, a escolha dos mesmos deve ser uma
responsabilidade suprema da titular da pasta da educação (e tratada como sendo assunto
de Estado) o que pressupõe uma triangulação cuidada dos candidatos. Seria de
grande valia termos nas diferentes delegações, representantes à altura do
membro de governo responsável pela área da educação, ou seja, pessoas capazes e
admiradas pela sua competência técnica, visão integrada da educação no
desenvolvimento local a par de um relacionamento proveitoso com os diversos
stakeholders;
5.
O Ministério da Educação tem, a grosso modo,
grande responsabilidade na educação (formal) dos cabo-verdianos e deve reafirmar-se
como pessoa de bem. Por esta razão deve, quanto a nós, no ano lectivo que agora
se inicia, ter tolerância zero nos casos de pedofilia, assédio e de outras
promiscuidades que de forma clara ou encoberta minam o submundo das escolas,
sobretudo, as do ensino secundário. A Ministra deve estar munida de olhos
(lê-se directores) e ouvidos (compreende-se delegados) confiáveis e prontos a
agirem, em uníssono, no sentido de levar os casos até às últimas consequências;
6.
Criação de uma agenda para que as escolas sejam capazes de reflectir sobre as
suas práticas com verdade e a instruírem processos objectivos e/ou
comprometidos de melhoria. O devir é importante, do ponto de vista da axiologia
educativa, e as escolas precisam de ter uma visão sobre o seu futuro, sobretudo
nos tempos actuais de grande incerteza.
Janelas
de Oportunidades por Aproveitar
Baseada
na concepção filosófica Heraclitiana de que é impossível banhar-se duas vezes
nas águas de um rio, importa, assim, referir que cada ano lectivo comporta, por
essa razão, algo de único e irrepetível. Porém, a ambição deve ser que cada ano
supere, positivamente, o anterior. Facto que, infelizmente, nem sempre acontece.
Pois, há problemas que se arrastam, gerando custos elevados de transacção.
Apresentamos, de seguida, alguns exemplos:
- ausência de uma agenda séria e comprometida de formação contínua dos professores do básico e secundário. Os saberes tornam-se hoje facilmente obsoletos e há necessidade de uma aprendizagem contínua por forma a melhorar, cada vez mais, o processo de ensino/aprendizagem;
- pouca abertura para outros profissionais administrarem, mediante projectos credíveis, as escolas públicas baseados nos princípios do Estado Avaliador dado que, muitas vezes, perde-se um bom professor e ganha-se, em troca, um gestor sofrível;
- atraso na reclassificação dos professores que fizeram a formação por conta própria o que comporta uma carga de injustiça (penalização) e eleva deste modo a dita desmotivação da classe docente;
- resistência na renovação dos serviços centrais do Ministério da Educação e na revisão do sistema de contratação que, permitisse a entrada, em justas condições, de técnicos de outras áreas para militarem, por gosto, no Ministério sem serem professores ou pseudoprofessores, cativando assim bons quadros que trazem outras dinâmicas e olhares;
- pouco estimulo à participação e, sobretudo, ao envolvimento activos dos pais e encarregados de educação na vida escolar dos filhos e educandos que, ao invés, tendem a ser, nalguns casos, substituídos por instituições de cariz social;
- apatia para a reintrodução da Secretaria de Estado da educação que seria de grande valia para imprimir dinâmica ao Ministério da Educação e do papel deste enquanto charneira no desenvolvimento equilibrado do país, entre outras vantagens.
Em
jeito de apelo e conclusão, desejamos aos novos alunos que entraram no sistema e
aos que renovaram a matrícula, votos de um bom ano e que a entrada seja
triunfal na escola e, sobretudo, nas salas de aulas; que estudem com bravura
para darem ânimo aos professores e para receberem, em troca, mais e melhores
habilidades para a vida. Ao Ministério da Educação e às suas lideranças, por
seu lado, acreditamos, como dizia o outro, que devem ter ciência suficiente e
[humidade necessária] para aceitarem e/ou para rejeitarem as propostas e
sugestões ora apresentadas dado que as lógicas que emergem das decisões
políticas nem sempre bebem correctamente na investigação, no conselho de
especialistas idóneos e no bom senso.
Albino
Luciano Silva
Licenciado em Ciências da Educação e
Mestre em Educação, na especialidade de Administração e Organização Escolar.