segunda-feira, junho 11, 2012

Quando a Violência nos Bate à Porta



A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem (Epicuro).


Assisti uma notícia na Televisão Pública (TCV, Jornal da Tarde, 11 de Junho) que me prendeu ao pequeno ecrã: um morador de um bairro humilde da capital cabo-verdiana reclamou, chorando desesperado e visivelmente emocionado do acto de violência gratuita que lhe bateu à porta e à dos demais vizinhos da sua redondeza sem que houvesse prontidão da polícia em evitar o pior - porque esta chegou, uma vez mais, atrasada ao local do crime.

O fenómeno de delinquência (liderado por jovens e menos jovens) que tem assolado a cidade da Praia, em particular, e o país, de uma forma geral, atinge promoções humanamente desesperantes. Quando uma mãe assiste de forma impotente  à morte de um filho (mesmo que ele seja thug) é traumático; da mesma forma o funeral de uma pessoa (mesmo que tenha sido thug) não constitui uma vitória para a sociedade. Denota, sim, pelo contrário, que algo vai mal na nossa sociedade e todos temos uma quota-parte da responsabilidade. A polícia deve actuar antes da desgraça (com repressão se for o caso), o tribunal deve condenar (com justiça) antes que o sangue seja derramado e as instituições sociais devem agir, no terreno, complementando o trabalho da família, escola, justiça e polícia na prevenção dos comportamentos de risco.

O fenómeno da delinquência gera stress social e agudiza o conformismo com a pobreza, sobretudo no meio rural. Pois, cada galinha roubada, cada cabeça de gado perdida, cada peça de ouro desaparecida constitui um incentivo a não produção uma vez que ninguém, no seu perfeito juízo, gosta de trabalhar para alimentar a casa do ladrão.

Neste sentido, os formuladores das políticas públicas devem entender que a segurança gera conforto psicológico e permite que cada um se esforce para conseguir o seu ganha-pão de forma honesta. Havendo um ambiente de segurança menos meliantes operam no país porque, na certa, serão apanhados (a tempo) e enquadrados (com rigor) nas leis que regem a nossa república e os bons costumes. Todavia, a incapacidade e a permissividade a que temos estado a assistir inspira uma reflexão profunda na medida em que, na maioria dos casos, é o cidadão humilde e indefeso que vive a contar com os ditos delinquentes e criminosos.

Cabo Verde tem verificado na última década uma corrida desenfreada às grades de ferro nas habitações o que à vista desarmada mostra que vivemos presos dentro das nossas casas (mesmo que estas fiquem em andares superiores) o que nos leva a duas conclusões simples e, por isso, evidentes: a) em caso de incêndio no interior da casa os ocupantes, na impossibilidade de usarem a porta principal, serão reduzidos a pó ou, então, mortos por inalação de fumo; b) em caso de ataque bárbaro e traiçoeiro por delinquentes, as consequências serão trágicas e irreversíveis porque nem pela janela as vítimas conseguem fugir (atirar-se) porque o ferro não  permite…

 O morador do bairro que me inspirou a esta reflexão terminou o seu depoimento a instigar a justiça por conta própria; um acto de desânimo desesperadamente  compreensível e reprovada, em toda linha, pelo nosso Estado de direito democrático. Os sábios que decerto passaram pelo mesmo aperto nos dizem que a justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem (Epicuro).

No caso em apreço uma questão pungente que fica sem resposta tem sido a ausência da justiça e do sentido da mesma na nossa sociedade. Um provérbio antigo deixa-nos ainda preocupados com este silêncio: infeliz da geração cujos juízes merecem ser julgados

A esperança na melhoria da situação actual deve persistir porque as soluções para o combate à criminalidade já estão inventadas e inventariadas; o que precisamos - sem querer chover no molhado - é de encontrar a dose certa: entre a coragem das autoridades para resgatarem o poder do Estado e a visão integrada do problema pelas ditas instituições que estão a “cuidar do caso”… enquanto a violência, em surdina, nos bate à porta forte e feio…

Albino Luciano Silva 

Publicado no Bissemanário Asemana, Sexta-feira, 15 de Junho de 2012,  Ano XXII, nº  1048, pág. 21.  



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