terça-feira, julho 14, 2009

Do Estado Provedor ao Estado Avaliador

A Regulação da Educação e a Defesa da Escola Pública (II)
In Jornal Asemana, 10 de Julho de 2009

A regulação, como acto de ajustamento da acção educativa a uma finalidade predeterminada, obriga a um compromisso com a transparência da acção dos agentes educativos e a uma vigilância apertada dos produtos gerados. Nas escolas, urge começar um debate interno sobre a prestação pública de contas enquanto a sociedade deve debruçar-se sobre a ética da gestão.

As teorias de regulação ganham, cada vez mais, relevância em virtude do esgotamento do modelo neo-liberal, onde os agentes económicos tinham, por dever atribuído, a liberdade de actuar e de aplicar a auto-regulação, a bem de um “mercado funcional”. Todavia, a História, pela presente crise global, veio provar o contrário e o preço é pago por todos, de forma directa ou indirecta, com ou sem culpa formal.

No sector da educação, a realidade não é, de si, distante dado que, por detrás das grandes instituições educativas (sublinho grandes em termos de volumes de negócios), existem grupos económicos enroupados por cooperativas de ensino, cujas lógicas mercantis pouco diferem das especulações e cotações bolsistas.

A ideia de regulação num mercado selvagem não granja seguidores, quando, no sector público, não existe, em contrapartida, uma prática que, por si só, sirva de contrapeso ao próprio sector privado. Neste sentido, a escola pública, enquanto instituição, deve merecer a confiança e o investimento do Estado para servir de tampão e de modelo às outras organizações educativas, cujo lucro é o seu primeiro e último desígnio.

Retomando a ideia expressa no artigo anterior (Jornal “A Semana”, edição de 05 de Junho de 2009), as autoridades educativas, para cumprirem o seu papel, têm que assegurar que o modelo pedagógico praticado pelas instituições de ensino privado satisfaça às prioridades e interesses do país.

Sendo a escola o espelho de uma Nação e (re)produtora social por excelência, qualquer desencontro de expectativas entre a sociedade e as escolas deve ser, cuidadosamente, acautelado, pelo que se propõe uma perspectiva de análise em torno de uma mudança tão necessária quanto desejável sobre a actuação das estruturas educativas e da sua governança, fazendo jus às suas virtudes, que são inúmeras, mas também aos defeitos assinaláveis.

Como dizem alguns autores consagrados, “se apanhares o comboio [ou o autocarro] na direcção errada, serão erradas todas as paragens por onde passares”. Por este dito, fica sublinhada a necessidade de definição prévia de objectivos para cada subsistemas de ensino, ou seja, a cultura do deixar andar e logo se vê, a cultura do improviso ou do “desenrascanso” incita ao erro por falta de estratégia. Consequentemente, só restaria correr atrás do prejuízo, o que, quanto a nós, constitui um acto de gestão irracional.

Há, por isso, necessidade de criar um forte e sério compromisso com a boa gestão das estruturas educativas e organizações escolares, em particular, sendo essa estratégia não só um acto de racionalidade económica, como também consagraria a visão que se quer transmitir à geração futura.

Esta aposta passa, quanto a nós, por criar uma agenda que, por um lado, propicie a discussão da autonomia das escolas e, por outro, incite a necessidade de uma gestão qualificada das mesmas, sendo certo que as lógicas de confiança e boa fé se afiguram como fulcrais na nossa cultura latina. Mas não é menos verdade que um sistema judicial que funcione (bem) contribuiria grandemente para julgar práticas menos “correctas” na governança escolar, invertendo, assim, o quadro de impunidade.

A justificar esta orientação, uma mudança fundamental no nosso sistema educativo parece ser a solução honestamente reclamada e socialmente desejada. O primeiro passo de uma longa caminhada rumo à mudança profunda seria ter professores científica e humanamente preparados, técnicos e auxiliares educativos comprometidos com o sucesso dos alunos, gestores escolares cientes das suas responsabilidades e convictos das penalizações por uma gestão desastrosa, bem como uma classe política consciente de que, pelo menos, em alguns domínios da administração educativa deve existir um consenso alargado, fruto de uma negociação ou mesmo de um referendum.

Essa mudança não passa ao lado da formalidade nem tão pouco do pessoal e isso porque a pessoa, em si, é a chave do sucesso dos processos transformativos e explica a razão porque tantas reformas ficaram pelas intenções por não terem criado vínculos afectivos.

Voltando ao interior da escola, a ausência de uma visão clara da mesma, associada à mediatização das debilidades que apresenta como parte do sistema geral, como é evidente, gere sentimentos contraditórios: de impotência para os cépticos que, há muito, penduraram a vontade transformativa e uma sede insaciável dos transformadores que se concentram no optimismo da vontade para poderem vencer o pessimismo da razão, sendo este cuidadosamente semeado e regado pelos movimentos anti-mudança.

A escola pública compadecida pelas imagens organizacionais nem sempre reveladoras do seu verdadeiro estado da arte – devido à existência de focagens parcelares, mas preconcebidas – encontra-se exposta à intoxicação da mensagem externa de interesses corporativistas.

Por exemplo, na defesa dos rankings das escolas, em muitos países, fica nítido o discurso minado e manipulado de certos interesses instalados, solicitando a subvenção das mensalidades dos alunos pelo Estado nas escolares particulares, o que leva ao desinvestimento nas do sector público.

Tal prática, levada ao extremo, legitima os discursos neo-liberais de livre escolha da escola e dos vauchers, ficando a pública para os mais humildes o que, a prazo, cria, num extremo, a dita escola para os excluídos do capitalismo e, noutro, a escola para os afortunados, ou seja, para os “novos ricos".

No nosso país, a capacidade de aprender com os erros dos vizinhos, parceiros e, quiçá, dos próprios amigos, revela uma combinação rara entre inteligência e humildade. Aliás, a educação comparada constitui uma ferramenta rica neste processo, embora a investigação apresente um papel pouco relevante nas reformas educativas apressadas.

Ainda assim, uma atitude pró-activa induz os actores públicos a anteverem os problemas e a proporem medidas que contribuam para minimizar o efeito-furacão da passagem, pelo nosso burgo, dos ecos de um sistema económico que desvirtue o conceito de serviço público, de prestação de serviço ao público e do próprio bem público.

Perante a dicotomia de “boas ou más escolas”, consoante o referencial adoptado pelos decisores públicos, a sua escolha depende sempre, em larga medida, daquilo que se quer deixar como herança à geração vindoura. Uma sociedade educativa com a selecção social monitorizada e a escola como o lugar para a prática dos valores da cidadania, da excelência e da competição saudável. Enfim, “um ginásio mental e um campo de recreio da intelectualidade”, onde todos são atletas aptos a venceram, desde que, haja uma base combinada do treino árduo e do fair-play.

Em suma, a defesa da regulação educacional, a par da defesa da qualidade das organizações educativas, é possível no quadro de uma aposta consertada naqueles que, embora desprovidos de recursos, vejam a escola como o veículo para a almejada transformação social.

Albino Luciano Silva
Mestre em Educação (esp. Administração e Organização Escolar) e Pós-graduado em Gestão e Avaliação da Formação
E-mail: s_albino21@hotmail.com; Blog: edukamedia, disponível em http://www.edukamedia.blogsopt.com/

Etiquetas: