segunda-feira, outubro 30, 2006

Oprah Winfrey: a negra que brilha

Tem o nome (de registo) de uma personagem bíblica, Orpa, do livro de Rute, mulher moabita (Rute,1:3); aos três anos já recitava versos bíblicos na igreja do seu bairro; aos 14, deu a luz a um nado morto fruto de uma agressão sexual; em 2000, a revista Time considera-a uma das personalidades artísticas mais influentes do século XX; a Forbes coloca-a na lista dos mais ricos do mundo. Este reconhecimento não se deve, simplesmente, às suas origens humildes, senão seríamos todos capa da Forbes (risos). Estou a falar de uma afro-americana que marcou (e ainda marca) a forma de fazer televisão: revolucionou o formato televisivo que mistura entrevista aos convidados com entretenimento, tecnicamente designado de “talk show”. O seu programa, The Oprah Winfrey Show, tem uma audiência diária, nos EUA, de 14 milhões de pessoas e o mesmo é visto em mais 130 países.
Antes de Oprah, numa linguagem corriqueira, a televisão era muito formal e os “talk show” uma “seca”. Eram excessivamente baseados na entrevista. A negra trouxe mais emoção, o que é fundamental em televisão: quando um convidado seu traz uma história que a emociona chora e estende-o o braço para apaziguar as suas mágoas.
A sua forma sincera de comunicar com o público, baseada na intimidade que com ele cria, faz dela uma heroína. O que ela propõe fazer há sempre uma legião de seguidores disponíveis. Conta-se que certo dia, achou que os americanos liam muito pouco, por isso, criou um clube de leitura. Os livros que escolhia, tornaram-se, rapidamente, best-sellers, inclusive os de publicação antiga; no auge da crise das vacas loucas, produziu um programa acerca do tema e face às notícias publicadas pelos media (que preocupam, também, o Zé-povinho) disse, num tom autêntico, que teria dificuldade em levar mais um humberger à boca. Os proprietários de gados do Texas ficaram fulos, a queda do consumo de carne bovino caiu e os prejuízos contabilizados em milhões de dólares. Respondeu em tribunal pelo comentário feito, mas saiu absolvida. Além disso, incentiva o público a cuidar da saúde, nomeadamente combatendo a obesidade, um dos problemas graves de saúde pública nos EUA. Além de chamar especialistas na matéria, usa o seu próprio exemplo de mudança de silhueta (já foi obesa) para encorajar o público. Mas, neste aspecto, os resultados são mais modestos: nem todos têm cozinheiros, conselheiros e personal trainer e motivação suficiente para perder umas colorias.
Efectivamente, se for preciso correr pelas ruas em prol de uma causa nobre, ela está sempre disposta. Sugeriu e liderou uma campanha para a criação de uma base nacional dos abusadores de criança condenados pela justiça. Como consequência, em 1993, Bill Clinton promulgou a lei que ficou conhecida como o projecto-lei Oprah.
Em Portugal, poucos a conhecem, com excepção de um grupo de mulheres que a vêem na SIC mulher; em Cabo-verde, nem isso. Essa razão justifica o tributo do edukamedia em dar a conhecer Oprah, aos internautas da língua portuguesa, em homenagem a uma admiradora sua que dela me falou com orgulho. Contudo, parece que alguém pensou mais alto do eu. Janet Lowe escreveu um livro, Oprah Winfrey em directo, editado pela campo das letras. Ainda não o li. Pensei em comprá-lo e oferecer à mademoisele que me falou, pela primeira vez, de Oprah: a negra que brilha.
Última actualização, 11-12-06

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segunda-feira, outubro 16, 2006

O Lugar do Negro

A história altera-se, às vezes, com pequenos gestos. Este texto mostra-lhe como. Quando andamos de transportes públicos, nomeadamente, de autocarro, cedemos o nosso lugar, em condições especiais, aos portadores de deficiência, às pessoas mais velhas, idosas, grávidas ou até a uma mulher vistosa, em sinal de cavalheirismo ou, então, de um favor desinteressado (risos). Tudo isso, em nome das convenções sociais. Todavia, dar lugar a alguém que não se encaixa no perfil anterior era comum nos Estados Unidos da América (EUA), durante o período segregacionista. Os negros usufruíam de menos direitos em relação à raça branca, por essa razão, nos transportes públicos, não lhe era reservado o direito a viajarem sentado se estiver um branco de pé. Apesar de ser injusta, essa lei era seguida sem contestação pública pelos negros. Assim foi, provavelmente, até às 00h00 do dia 30 de Novembro de 1955.
No dia 1 de Dezembro de 1955, Rosa Parks, uma negra, costureira de 42 anos, apanhou o autocarro numa das paragens de Montgomery, Estado de Alabana e sentou-se, por instinto, num lugar vago. No entanto, um homem branco exige-lhe o seu assento (lugar) ao que ela, curiosamente, recusou com veemência. Ao pôr em causa uma lei que achava descabida, Rosa Parks, não chegou ao seu destino. Foi levada à esquadra; presa e multada em 14 dólares.
A atitude de Rosa foi violentamente criticada pelas pessoas da “raça branca” e aplaudida pelos negros. Estes, em resposta aos críticos, boicotaram os autocarros da empresa onde ocorreu o incidente durante 381 dias, culminando assim, com a sua falência. O mentor desta ideia foi um desconhecido pastor de uma igreja Batista, de nome Martin Luther King. As manifestações contestatárias à lei segregacionista culminaram em 1964, com a aprovação pelo congresso da lei que aboliu a descriminação racial nos EUA: a lei dos direitos civis.
Rosa Parks, ao ser ameaçada de morte e incapaz de encontrar trabalho na sua cidade natal, casou-se e foi viver com o marido para Detroit, Michigam, onde fundou o Instituto Raymond Paks. Em 1996, recebeu das mãos do presidente norte-americano, Bill Clinton, a medalha da liberdade, distinção seguida, em 1999, pela mais alta condecoração dos EUA, a medalha de ouro do Congresso.
Ao comentar o seu acto heróico, Rosa disse: - “senti que tinha o direito de ser tratada como os outros passageiros. Já tínhamos aguentado aquele tipo de tratamento tempo demais!”. Esta conhecida de Luther King, morreu, durante o sono, no dia 25 de Outubro de 2005, na sua casa, no Michigam.

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sexta-feira, outubro 13, 2006

Bolonha, três anos por um Canudo

O processo de uniformização dos cursos a nível europeu tem uma história curta e um presente conturbado. A ideia nasceu após vários encontros dos ministros europeus responsáveis pela pasta da educação. O momento alto das moratórias diplomáticas, aconteceu em Paris, em 1998, com a declaração de Sarbonne e em 1999, na Itália, na cidade de Bolonha, com a subscrição da declaração de Bolonha, que estabelece o ano de 2010 como meta para o arranque formal do espaço europeu do ensino superior. No entanto, foram registadas iniciativas mais recentes, como, por exemplo, em 2003, em Praga onde foi estabelecido o sistema de créditos e os três ciclos de estudos; em 2005, em Bergen, Alemanha, foi reafirmada a relação entre o espaço europeu de ensino superior e o da investigação. Todavia, a declaração de Bolonha parece ser o nome, simbólico, de baptismo desta política educativa europeia, embora tenha havido várias iniciativas em muitas outras cidades do velho continente.
Um pouco por toda a Europa, as instituições de ensino superior têm feito os demarches necessários no sentido de cumprirem o prazo de uniformização dos curricula do ensino superior. A institucionalização de três ciclos de estudos, sendo o primeiro, a licenciatura, de 3 anos, o segundo, o mestrado, de dois anos e o terceiro, doutoramento. Existem, algumas outras propostas como, por exemplo, a mobilidade geográfica, onde um aluno ao terminar um ciclo de estudos, numa determinada universidade, é aceite em qualquer outra universidade europeia para prosseguir os estudos. Apesar destas benesses, as críticas (construtivas e destrutivas), bem como as dúvidas sobre o processo de Bolonha tem chovido, um pouco por todo lado. Da gestão universitária, aos alunos, passando, obviamente, pela sociedade, o sentimento de incerteza é comum. Ainda assim, nenhuma instituição desistiu; pois temem perder o comboio para o futuro. No entanto, deixa-se aqui no Edukamedia, alguns desabafos.
Em Portugal, numa entrevista a um jornal estudantil, o reitor da Universidade Nova de Lisboa, Leopoldo Guimarães, rejubilou-se com o facto de a instituição que dirige estar numa posição dianteira em relação às outras universidade portuguesas, quanto aos cursos à Bolonha. "Quem lidera é quem está à frente", afirmou o catedrático. Por seu turmo, o reitor da Universidade de Coimbra, Seabra Santos, passado umas semanas, no mesmo jornal, levantou dúvidas legítimas sobre o processo de Bolonha, numa provável desculpa pelo atraso (pensado) da mais antiga academia portuguesa em aventurar num processo, um tanto ou quanto, incerto como Bolonha. Adiantou o magnífico reitor que não há nenhum estudo que prove que esta mudança [forçada] traz benefícios acrescidos aos alunos e às instituições universitárias.
Na mesma linha discursiva, a revista Pontos nos ii, trouxe, na semana transacta, mais lenha para a fogueira. Em entrevista exclusiva, a vice-reitora da Universidade Católica Portuguesa, Luísa Leal de Faria, assegurou, de forma peremptória, que as reformas do ensino superior têm pautado pela diminuição dos anos de curso e pelo consequente decréscimo do grau de exigência. Em relação a Bolonha, constatou que este chama de licenciatura, a um curso de 3 anos, conhecido, entre nós, como sendo Bacharelato. Mas, num tom mais expectante, a vice-reitora da Católica e docente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, reconhece que cabe ao mercado de trabalho dizer da sua justiça sobre o presente processo de reestruturação do ensino Superior público e privado.

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As (con) fusões de Bolonha

Menos disciplinas; cadeiras novas; horários confusos; canudos em três anos; licenciatura + mestrado, num bloco de, apenas, cinco anos; desrespeito pelo estatuto do trabalhador estudante; aumento das mensalidades, são, de momento, as preocupações apontadas ao jornal diário, o Metro, na edição de quarta-feira, 11 de Outubro, pelos estudantes lisboetas, acerca do inicio de mais um ano lectivo, com o processo de Bolonha à vista.
É certo que algumas críticas acima enumeradas, são de natureza organizativa e cuja solução está a ser equacionada pelas faculdades, outras, porventura, ultrapassam a própria competência das instituições universitárias.
Uma análise, ainda que ligeira, das inquietações legítimas dos estudantes mostra que a questão do emprego ficou de fora. Relativamente ao processo de Bolonha, desconhecem-se evidências empíricas que provem que constitui uma resposta benéfica aos problemas do ensino superior português ou seja, ao desfasamento entre a oferta e procura de cursos, a inserção dos diplomados no mercado de trabalho, ao grau de exigência dos cursos. A medida proposta enquadra-se, com justeza, numa política economicista de eficiência e de remassificação do ensino universitário, propondo, por isso, uma produção em série de diplomas. No contexto e conjuntura actual, marcado pelo desemprego de quadro diplomados, nomeadamente dos licenciados e, mais recentemente, dos doutores que há bem pouco tempo gozavam de condições contratuais invejáveis, a aplicação da medida em apreço, parece ser, neste aspecto, no mínimo, incompreensível.
Consequentemente, a diminuição dos anos de curso, em nome de uma maior flexibilidade; a existência do suplemento ao diploma; a mobilidade inter-universitária; e a aprendizagem centrada no aluno apresentadas como mais valias propostas por Bolonha, só fazem sentido caso as empresas e a função pública absorvam os antigos e os novos diplomados. Caso contrário, estar a fabricar cegamente diplomas em série, em nome de um Portugal distante da Europa avançada em percentagem da população diplomada, parece uma justificação emocionalmente compreensível e logicamente suspeita.

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