Numa conversa de café, um amigo vira-se para mim e pergunta-me, num tom meio preocupado, qual é o futuro das crianças e jovens africanos nascidos em Portugal? Antes de o responder, pensei no método socrático e, depois, interroguei-lhe, como se ele fosse um especialista, o que é que lhe parece?
Na verdade, para responder a esta questão, aparentemente, filosófica e cartomántica nem é preciso ir à faculdade ou abrir os manuais da especialidade, basta ver o que se passa no quotidiano. A presença dos negros nas terras de Camões, remonta, praticamente, à travessia do Cabo Bojador (ou das tormentas como ficou celebrizado) no século XV, onde como prova do feito, foi trazido, à força, para Lisboa, cerca de oito negros. De então para cá, conhecemos toda a história da expansão e com ela a escravatura e, mais recentemente, a emigração à procura do sonho, duma vida melhor.
Ao abono da verdade que se diga, a representação que os portugueses construíram dos africanos, pouco mudou em relação ao período esclavagista. Estes são vistos como um ser, ou melhor, como um animal que nasceu para trabalhar, sobretudo, nas obras – abrindo estradas e construindo pontes para o futuro. Ao nível da escola, nunca acreditam que um negro, também pode, tal como eles, ocupar com as coisas do intelecto. Os “africanos” nascidos neste país, poucas possibilidades de sucesso terão, uma vez que as barreiras são tão fortes que, muitas vezes, os obriga a ter bom senso e a desistirem, ingressando, em certos casos, “por maus caminhos”, reforçando, assim, ainda mais, a sua representação social, bastante negativa.
A opinião do meu interlocutor foi de que basta ligar a televisão, ouvir os professores, falar com a policia, analisar as políticas de ou para a emigração, sair à rua, ir à uma entrevista de emprego, ir a um bairro dito “degradado”, ouvir os empregadores para perceber quão negra é a esperança de uma criança e de um jovem para a sobrevivência numa sociedade onde são estigmatizados por causa da cor e da sua herança genética. Muitos pseudo críticos, dizem que o racismo não existe; que preto ou branco, somos todos iguais e que, inclusivé, os primeiros escravos até foram brancos, mas a verdade é que a vida dos africanos piorou com a travessia do “cabo das tormentas” e, ainda hoje, sofremos com esse tormento.
O sonho dos filhos dos imigrantes num país que os reconheça como cidadãos de segunda, deixa-lhes poucas margens para progredirem rumo ao sucesso, dado que os nega um princípio tão básico, como, por exemplo, o direito a serem pessoas. Apesar deste quadro sombrio, diz o poeta que o sonho [ainda que negro] comanda a vida [ou melhor, a sobrevivência].
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